Diário de Paris 16 de Fevereiro de 2023, quinta feira
Por Marcus Vinicius Ozores
‘Je sui desolée’ como dizem os franceses. Ontem não fui jantar no Polidor como havia programado. A apresentação da Wilma se estendeu até bem depois das 20h aqui e aí ficou tarde. Saímos com amigo Afrânio, coordenador do seminário e jantamos num restaurante chinês no Quartier Latin. Breve irei rever meu restaurante preferido e postarei aqui se o Tartar e a mousse de chocolate continuam com a mesma qualidade no Polidor.
E hoje a França acordou com greve geral contra o aumento de dois anos no tempo de aposentadoria. Os canais de noticiário 24h/24h estão com repórteres espalhados por todo o país para abastecer a telinha com informações de serviço e debates. Desta vez até nas pequenas comunidades do país (e olhe que aqui existem 16 mil comunas) há manifestação contra as mudanças na previdência que o governo de Macron pretende aprovar no Senado. A grande estrela contra a reforma é Marine Le Pen, líder da extrema direita herdeira do partido nazista criado pelo seu pai. Incrível é que, a persistir a queda de prestigio de Macron, e os desentendimentos na esquerda (hoje os deputados do PCF decidiram apoiar o voto ao lado de Macron) o sonho da família Le Pen – alimentado desde as eleições de 2002 – pode vir a ser realizado nas próximas eleições presidenciais. Vamos acompanhar os passos da carruagem politica por aqui.
Saímos de casa pela hora do almoço e subimos o boulevard Saint Jacques até a esquina da Sorbonne onde foi marcado encontro dos docentes da universidade para a passeata. Chegamos pouco atrasados e a passeata já havia saído. Aproveitamos para flanar pelo Quartier Latin que – acreditem vocês – está às moscas. Sim as moscas. Para quem já esteve nessa cidade muitas, muitas e muitas vezes Paris está vazia e com pouquíssimos turistas. Acho que é efeito da covid 19 já que fiquei exatos três anos sem vir a casa de Robespierre. E por falar em Robespierre hoje caminhamos pelo boulevard Saint Germain até cruzar com rue Lazarine e passar na rua atrás do Le Procope, o mais antigo café do mundo em atividade, inaugurado em 1689, exatos cem anos antes da Revolução Francesa. Era no Le Procope que os revolucionários – capitaneados por Robespierre – bebiam café a noite inteira e programavam que iam degolar na manhã seguinte. Mas isso é outra história bem longa.
Caminhando por detrás do café você vai dar na Rue Saint-André des Arts, rua medieval charmosa repleta de restaurantes, lojas de roupas, joalherias e ai sim, muitas creperias. Aqui no centrão da Vila não sumiram, continuam firme matando a fome de turistas e parisienses. Saindo do cour detrás do Le Procope e virando à direita você vai dar na Place Saint Michel onde tem a fonte com dois dragões, sem água, onde os turistas que vem em excursão costumam marcar encontro com bandeiras levantadas pelos guias.
Na esquina da rua com a praça ficava uma das livrarias Gibert Jeune que hoje está fechada e com tapumes e ninguém sabe dizer o que vai ser. Antes, ponto de estudantes agora é ponto dos magrebinos – só homens, como sempre – bebendo cerveja e falando alto no celular. Em frente no prédio que toda todo o quarteirão da Place Saint Michel morou por sete anos (1923-1930) nosso maestro maior Heitor Vila Lobos. Atravessando a praça e passando pelo boulevard Saint-Michel caímos no outro lado da idade média. Coração do Quartier Latin com suas ruas estreitas e centenas de restaurantes e lojinhas de lembranças de Paris.
Se você vier por aqui nesse momento em que nós da Terra de Pindorama ficamos pobres frente ao euro, aqui você come barato mesmo. Encontra menu completo como há 20 anos atrás com entrada, prato principal e sobremesa a partir de 10,50 euros. Sem vinho.
Sem vinho. Antigo, por lei do turismo francês todo restaurante era obrigado a ter um menu pelo menos completo que incluía, além dos pratos água e vinho de graça também. Isso há pertence a história passada. Pode parecer meio babaca, mas adoro caminhar por essas ruas e achar que, assim num de repente, posso encontrar com Esmeralda, a cigana, que fez o Corcunda de Notre Dame se derramar de amor por ela enquanto dançava para o populacho em frente a catedral. Dá-lhe Victor Hugo. Lembrando que Victor Hugo não é só nome de bolsa no Brasil. Kkkkk. Por hoje acho que já escrevi demais.
Amanhã tem mais.