Diário de Paris 25 de fevereiro de 2023, sábado
Crônicas e fotos de Marcus Ozores
Hoje é sábado, e amanhã é domingo e a vida vem em ondas como mar, diria o nosso poetinha maior Vinicius de Moraes. E como hoje é sábado é o dia que nosso Senhor Jesus Cristinho gosta de ver todo mundo bem, não só em Copacabana, mas em Paris também. E hoje é sábado, amanhã é domingo, dia 25 de fevereiro, dia em que meu mano mais velho muito querido deveria completar 75 anos se não tivesse partido, há sete meses e meio, num domingo faltando 15 minutos para segunda feira. Hoje é sábado, amanhã é domingo e hoje é dia de sair para caminhar já que o céu está luminoso e o astro rei brilha acima abençoando as nossas cabeças. Hoje é sábado, amanhã é domingo e a vida segue seu caminho e nós os viventes seguimos juntos.
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Essa semana que passou, um grupo de estudantes brasileiros, que residem em Paris para finalizar cursos de pós graduação ou pós-doc, enviaram mensagens aberta aos brasileiros residentes ou de passagem pelo pais e que quisessem se reunir, num almoço seminário. O convite estava aberto a quem se interessasse deveria se encontrar hoje a partir do meio dia no número 45 do Quai des Grands Augustins, a rua que margeia o Sena, na margem esquerda. O bistrozinho tem um bandeira do Brasil na porta e, confesso a você, que não guardei o nome do restaurante (achei no dr. Google). O tal restaurantinho é bem convivial e oferece cardápio brasileiríssimo com coxinha, pastel, quibe, feijoada, vaca atolada e outros. A ideia do grupo foi muito interessante e proveitosa. Dois alunos de doutorado em Paris falaram seus projetos de pesquisa e como está o andamento da pesquisa deles por aqui. Aprendi um montão sobre cinema dos anos 40 e 50 no Brasil, Alemanha e França. Um dos meninos foi aluno do meu grande amigo Marcius Freire do curso de Midialogia da Unicamp.
Na hora do cardápio lembrei-me do nosso bardo Camões que dizia:
Sete anos de pastor Jacob servia
Labão, pai de Raquel, serrana bela;
mas não servia ao pai, servia a ela,
e a ela só por soldada pretendia.
Veja o poema completo aqui
Claro que pedimos apenas uma porção de feijoada e uma excelente ‘pression’ de Left. Agi corretamente. Feijoada sofrível, apesar de uma conterrânea na cozinha, e, pior, não tinha pimenta das boas que tem a capacidade de transformar a pior feijoada pelo menos palatável.
Findo almoço, pernas prá que te quero, e rumo ao ‘Musée de Arts e Histoire Juif’ localizado no numero 62 da Rue du Temple. A Rue du Temple deve seu nome à ordem dos Templários , estabelecida em meados do século XIII neste bairro (3éme) conhecido como distrito do Templo até hoje. Restos de fortificações que datam de Philippe Auguste são preservados nos números 69 e 71 da rue, 50 metros passando o museu. Como nunca há coincidência nesse país, é possível que a escolha do palácio para instalação do museu judaico se deva à referência dupla ao Templo de Salomão. Pelo lado judaico o Templo é a referência da origem da fé e da sua história e pelo lado cristão foi, nas ruinas do Templo, destruído pelos romanos no ano 72, em Jerusalém, que teve início a o Ordem dos Cavaleiros Templários, liderados pelo francês Hugo de Payens, em 1118.
Visite aqui o Musee Mahj
Na entrada do palácio, onde está o museu, você se depara com a grande estátua em homenagem ao capitão, de origem judia, Alfred Dreyfus, acusado injustamente de espionagem, em dezembro de 1894. Condenado, intelectuais, políticos e juristas iniciaram um movimento para libertá-lo até que, dez anos após a condenação, foi provada a inocência e finalmente liberto. Esse caso ficou conhecido como “Affaire Dreyfus” e deu origem a um texto brilhante do romancista Emile Zolla intitulado ‘J’accuse’.
O museu é simplesmente maravilhoso e tem obras importantíssimas. O museu é dedicado à história judaica e a peregrinação dos judeus pelo mundo e principalmente na França. A primeira parte é constituído das artes e tradições religiosas onde estão expostos vários cofres para guardar os rolos da Torah um manuscrito formado pelos 5 primeiros livros do livro sagrado da religião judaica onde estão contidos o ensinamento, instrução ou lei. A Torah era escrito em pele de carneiro (hoje acho que é de papel) à mão e guardada em cofres feitas de vários materiais. É farto também a exposição dos paramentos utilizados pelos rabinos nas sinagogas. O museu traz uma série de quadros mostrando o convívio fraterno de judeus e árabes até o final do século XIX, em todo os países do norte da África. A perseguição e o anti semitismo sempre esteve à cargo dos bondosos cristãos, no início os ‘oriundi’ da Igreja Católica.
Curioso é que vendo o paramento religioso dos rabinos, me veio à memoria presente, as imagens do bispo edir macedo (cujo nome escrevo em letras minúsculas como é o caráter ou falta dele) que vem, nos últimos anos assumindo televisivamente, a imagem de um rabino. Se alguém tiver saco de zapear a TV aberta, como eu tenho, verá o edirzinho vestido como um rabino, ele até construiu um templo, no Brás, na avenida Celso Garcia, que ele chamou sem falta modéstia de Templo de Salomão, vejam vocês.
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O Museu de Artes Judaicas tem muito, muito mais. Tem muito mais, tem muita gente boa e destaco Marc Chagal, Issachar Ber Ryvach que tem traço marcante em bico de pena p&b, e uma pintora incrível, que eu não conhecia, chamada Esther Carp cujos traços, no inicio de carreira, lembram muito Van Gogh como vocês poderão ver nas fotos.
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Farto e ilustríssimo material do ‘Affaire Dreyfus’. A exposição termina com montagem temporária do fotógrafo de origem judaica Erwin Blumenfeld, nascido em Berlim, morou muitos anos em Paris e, em 1942, com a perseguição dos judeus na França, asilou-se definitivamente em New Iorque. Blumenfeld, para aqueles que apreciam fotografia reconhecerão de imediato sua fotos.
Ele foi o principal fotógrafo da Vogue norte americana e produziu as mais emblemáticas capas da revista durante duas décadas. Os críticos o consideram como o estrangeiro que criou a maneira dos norte americanos verem seu próprio cotidiano e o país. Se você não o conhece entre na aqui e procure fotos da sua obra. Fascinante.
Uma das fotos dele – que publico aqui – é de 1933, no ano da ascensão de Hitler ao poder. Blumenfeld que já fazia experiências fotográficas em Paris, fez foto montagem do soldado austríaco mostrando seus olhos e a boca escorrendo sangue. Outra série de fotos do mesmo ano mostram montagens de um Minotauro (aqui no Brasil podemos fazer analogia com o gado do Bolsonaro) como o símbolo da iniquidade e do ditador supremo.
Seis da tarde, hora de voltar prá casa, atravessar o rio dentro do busão 38 e se despedir do sábado com a vista ao longe de Notre Dame se preparando para dormir.
Amanhã tem mais.
SOS LITORAL NORTE
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