Diário de Paris, 28 de fevereiro de 2023
Texto e Fotos de Marcus Ozores
Boas tardes, boas noites. Vocês não vão acreditar, mas hoje, ao acordar, fui preparar meu café e optei por ‘fromage blanc’ (coalhada) com morangos imensos que comprei ontem a noite, provenientes da Espanha junto com uma caixa de 1 kg de deliciosas e docíssimas ‘clementinas’, oriundas do Marrocos. E, assim num de repente, minha memória transportou-se para fevereiro de 1972, no antigo Cine Ouro Verde, de Campinas, fundado em 1955, e localizado então Rua Conceição, 259. Funcionava diariamente e possuía 1860 lugares. Era imenso, sua entrada era na Rua Conceição e ia até a César Bierrembach. Possuía um mezanino e suas colunas na entrada eram imponentes. Foi vendido para a antiga Encol – aquela mesmo que faliu e deixou muita gente de mãos abanando – e no lugar hoje está o Shopping Jaraguá.
Daí, meus amigos e amigas internautas vão me perguntar: por que você aí, sentado na frente do computador, numa tarde fria de Paris, de um ano que não é bissexto, foi se lembrar do Cine Ouro Verde, há exatos 51 anos? Explico:
Em dezembro de 1971 visitei a Unicamp, pela primeira vez procurando me transferir para o curso de jornalismo que à época estava matriculado na Federal do Paraná. Qual minha surpresa ao conhecer a dona Diva Furlan (mãe do Orlando que morreu ano passado prematuramente) que à época, era diretora do Serviço de Alunos (antigo Serca). Conversa vai conversa vem ela me convenceu a me transferir, do curso de Jornalismo para a Unicamp, como aluno do curso de Ciências Sociais que naquele ano de 72 estaria entrando a terceira turma de alunos. Meu número de matricula até hoje sei ‘par coeur’ 710766. E daí?
Bem, daí que no final de todo fevereiro, a Unicamp alugava o espaço do maior cinema de Campinas para que o então reitor Zeferino Vaz (foto acima) pudesse receber todos os alunos da Unicamp, sim isso mesmo. Naquela época todos os alunos de todos os cursos da Unicamp, nos três campi, cabiam nos assentos do cine Carlos Gomes.
Lembre aqui a aula inaugural da Uncamp dos anos 1970 do Prifessor Zeferino Vaz
Eu, menino de 19 anos, estava todo ouvidos, todo aberto pra tudo que era novidade. E nunca tinha visto aquela cena na vida. O professor Zeferino, médico de formação e parasitologista de profissão sempre fazia palestra, de recepção de ano novo para calouros e veteranos. Primeira parte da fala era sobre o porquê havia decidido ser reitor de uma universidade que completaria, em 1972, 6 anos de vida. A segunda parte ele reservava para dar conselhos, do auto do seu conhecimento da parasitologia, para aquele monte de filhos, como costumava se referir aos alunos. Aí foi falando, falando e primeiro alertou os jovens sobre as doenças sexualmente transmissíveis e gravidez precoce e em seguida começou a falar do que realmente entendia. Parasitologia. Foi daí que nunca mais esqueci o que o professor Zeferino disse naquele dia e me marcou para sempre: “nos países acima do Equador, onde neva, dizia ele, não há risco de contaminação por vermes”. Até hoje não procurei saber se é verdade ou não afirmação do professor Zeferino, mas que ele disse ele disse, isso lá ele disse. Deve ser verdade já que aqui o pessoal come legumes direto ao escolher nas feiras. Nos anos 70 muita gente ainda morria no Brasil de verminose. Lembro da minha mãe levando horas e horas lavando as verduras e os legumes e descascar o tomate cru para salada do meu pai que havia feito cirurgia para retirada de ulcera gástrica.
E hoje a distância que o Atlântico nos separa fico pensando se o meu amigo Tom Zé, atual reitor da Unicamp, decidisse reunir todos os alunos para dar boas-vindas. Só se reunisse na Praça da Paz, a céu aberto, já que hoje a Unicamp tem mais de 30 mil alunos regularmente matriculados.
Bem, voltando a Paris hoje foi um dia mais frio que ontem. E amanhã promete mais frio ainda com algo como menos 2 ou 3. Como minha sobrinha vai chegar depois de amanhã hoje, na parte da tarde, fui trocar dólar por euro. Para quem precisa de câmbio recomendo as lojas da Rue de Renne na ultima quadra próxima do boulevard Montparnasse. Lá está o melhor câmbio e em frente há uma loja da Uniqlo, localizada no subterrâneo da Fnac.
Findo o câmbio, fui andando para os lados da igreja de Saint Sulpice, construída no século XIII, e totalmente reformulada no século XVII quando a igreja ganhou a nova fachada monumental. Igreja – que contém belíssimos afrescos assinados por importantes pintores – ganhou notoriedade com o romance de Down Brown, ‘O Código da Vinci’, lançado em 2003 e com sucesso retumbante de livros e logo em seguida com o filme.
Meu objetivo hoje não era visitar igreja nenhuma mas encontrar um tabaco que tivesse apostas para a euro milhões. Acreditem, mas desde a Rue de Renne, passando pela Vaugirard, dobrando a direita e a esquerda na Rue Bonaparte – quando a Vaugirard encontra com a esquina do Jardin de Luxembourg – não encontrei nenhum tabaco. Só passei em frente a fachada da igreja e segui para o Marché de Saint Germain e nadica de nada. Chegando ao boulevard de Saint Germain entrei a direita e nenhum café. Na Place de l’Odeon, também nada. Dai entrei pelo beco atrás (do mais antigo café do mundo pqp) ‘Le Procope’ e cai na rue Saint Andre des Arts rua de doces lembranças do passado. Era aqui que meu amigo Zé Dias e Márcia gostavam de se hospedar quando o Rafa e o Dani eram pequeninos. Sabia que na esquina, quase chegando a Place de Saint Michel, tem um tabac (proprietário china) há muitos anos. Já era 18h30. Hora de jantar.
Como a boca do metro, da linha 4, está logo ali entrei nela para ir até a estação da ‘gare de Montparnasse’ onde está localizado o ‘Bouillon Chartier’ que narrei aqui dias desses que é o lugar com comida francesa, de qualidade, mais barato da cidade. O restaurante é imenso todo decorado de art nouveau. O Bouillon Chartier inaugurou aqui sua filial, em 1906. Quando conheci esse local a primeira vez, há quase 30 anos, funcionava nesse prédio uma filial do restaurante do Bistrô Romain onde se comia barato e a preço fixo. Anos depois mudou de dono e mudou de nome para Bistrot de la Gare. Há uns 6 anos reinventaram a tradição e voltou a ser novamente Bouillon Chartier. Aqui se come barato mesmo com garrafa de vinho. Acreditem, a ‘bouteille de vin’ custa 10 euros, sim 10 euros. ‘Boudin noir’ (chouriço) 9,50. Sobremesa 2,5 euros com café. Pasmem. Só aqui para se sentir o rei do gado. A última vez que eu e Wilma estivemos aqui foi há três anos na companhia de Malu e Temístocles, e de Aline e Karine.
Para pegar lugar não chegue depois das 18h45. Aí é uma fila de dar dó, ainda mais com o frio que fazia hoje.
Amanhã tem mais.
SOS Litoral Norte