Hoje foi dia de aventuras. Fui levar minha sobrinha Victoria e sua amiga Jana para conhecer o Chateau de Versailles. O dia acordou feio com grossas nuvens negras e um vento de levantar poeira e derrubar parede no chão. Sorte que decidi ir hoje, apesar do vento frio e possibilidade de chuva, amanhã, sábado o RER C cerrará portas até segunda de manhã dando continuidade a manutenção da greve nacional, contra o aumento da idade para aposentadoria.
Aliás, logo ao sair do apê, em direção ao metrô da linha 4, já nos defrontamos com os resquícios da greve dos lixeiros. Começam a transbordar nas calçadas as lixeiras dos prédios e, principalmente dos empreendimentos comerciais. As linhas do metrô hoje operaram normalmente com exceção da linha 10. Portanto pegamos a linha 4 até Denfer Rocherau, pulamos para linha 6 até Tour Eiffel e daí RER C até Chauteau de Versailles. Uma hora cravada.
Ao descer na estação de Versailles uma caminhada a pé, de quase 2 km, até entrada do palácio com o vento sem lenço nem documento a uma velocidade, chuto eu, de mais ou menos uns 50 km/h o que dava sensação do corpo levantar do chão. Frio prá caramba.
Para chegar e entrar direto nas dependências do Palácio, você deve comprar ingressos antecipados pela internet, caso contrário, que era lógico, o nosso caso, tivemos que comprar ingressos na bilheteria, mas daí só podíamos entrar no museu, a partir das 12h00. Como faltava pouco mais de uma hora para meio dia tentamos passear no belíssimo parque do Palácio, mas com o vento e o frio só conseguimos fazer uma caminhada brevíssima, nos fundos do Palácio, para que as meninas tivessem visão ampla dos jardins e dos lagos, frutos dos delírios do Rei Sol e seu arquiteto que transformaram um antigo pântano no mais belo Palácio europeu e que serviu de modelo para todos os outros.
Só deu para curta caminhada, tirar algumas fotos e correr para dentro da cafeteria até o momento de chegar meio-dia e entrar de volta na fila. Esta deve ter sido a oitava ou nova vez que eu visito Versailles em estações variadas. Mais lindo mesmo é visitar aqui entre abril e maio.
Versailles é a síntese da pompa e do poder absolutista. Foi nesse palácio, de 700 quartos, que Luiz XIV encarcerou, em jaulas de ouro, a nobreza francesa para que ele pudesse governar com poder absoluto. Enquanto o Rei Sol, como ficou conhecido Luiz XIV, se reunia com seus ministros em uma ala do palácio, os convidados forçados a residir no Palácio a maior parte do ano, divertiam-se com danças como o minueto (criado pelo Rei), assistiam a apresentações do teatro de Molière, declamavam poemas de Racine e debatiam as obras do pintor arquiteto Pierre Puget (o mesmo nome do azeito comum mais popular da França nos dias de hoje).
Toda essa pompa e circunstância só foi possível graças as habilidades do controlador geral das finanças da França, Jean Baptiste-Colbert. Só com o dinheiro arrecadado pelo senhor Colbert é que Luiz XIV pode afirmar em plenos pulmões e a viva voz: “L’État c’est moi”. Caso contrário estaria pescando no pântano, não morando.
Mas deixando a jocosidade e meu republicanismo exagerado voltemos à visita ao Chateau de Versailles. Não preciso descrever a grandiosidade, o luxo, e o exagero que se vê por toda parte. As portas de três metros ou mais de altura cada uma, são folheadas a ouro, assim como boa parte das paredes do palácio, os portões externos e as torres. Por onde se passa, se pode observar a excelência dos quadros escolhidos para cada sala, isso sem falar que todo ‘planfond’ é pintado. O palácio deve se ver em duas partes. A primeira do Rei Sol, construtor de toda essa grandiosidade. A segunda de Napoleão Bonaparte que, assim que se sagrou Imperador da França, adotou Versailles como centro irradiador do seu poder.
Importante que antes que você faça uma visita a Versailles leia um pouco antes, mesmo que seja na Wikipedia, já que nos dias de hoje não vejo mais ninguém com o saudoso Guia Verde Michelin nas mãos e que explicava tudim tudim sobre a história, a geografia e arquitetura. Lendo e acompanhando as dicas do velho Michelin você acabava a visita se achando o maior historiador da França, bastando ler o guia. Se, você vier aqui, sem ler nada, vai achar que tudo é cenário para novo anuncio do Chanel nº 5 (já denunciei minha idade, tá vendo).
Tem muita coisa para se admirar no Palácio. Primeiro, é claro, a Galeria dos Espelhos que Rei Sol fez construir onde recebia as cortes europeias para festas e conchavos políticos. Só de entrar no corredor da Galeria você imagina como, nos idos 1690, os visitantes saiam daqui humilhados pelo luxo em exagero. Depois a que se parar um pouco no quadro do Rei Sol todo paramentado e com um saltinho carrapeta que foi criação dele. Assim como ele inventou a sociabilidade na corte. Também não deixe de ver a cama nupcial de Luiz XIV, mas imagino que naquele tempo tinha mais gente dentro do quarto do que fora de tanto puxa saco. Tinha cargo para nobreza toda não poder reclamar. E cada um se achava o mais importante naquilo que fazia, por decreto real, vejam vocês. Tinha aquele nobre que tirava a peruca, o que punha a peruca, o que levava o rei ao banheiro, o que chacoalhava o biléu do rei, o que enxugava o biléu do rei e daí para frente. Até aquele que cobria o rei para dormir e por ultimo o que apagava a vela do lado da cama do rei. Acredito que o rei ia dormir para não ver mais ninguém.
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A outra ala do palácio é dedicada ao general Napoleão, o que inventou o Estado Moderno, o que inventou o Exército profissional, o que reinventou a Europa. Por isso o quadro que se deve admirar é a coroação de Napoleão como Imperador. Quando vir o quadro vai entender. Primeiro que Napoleão fez com que o Papa viesse de Roma para sua coroação. Depois Napoleão retira a coroa das mãos do Papa e ele mesmo coloca na sua cabeça na demonstração de que o Estado é laico e o Imperador não é ungido por Deus, visando colocar o representante no Vaticano no seu devido lugar. Lembrem-se que Pedro, o nosso Primeiro, também mandou pintar tem semelhanças com esse aqui, 20 anos depois mas com a padraiada toda ao redor.
Para finalizar a visita nada melhor que a sala das pinturas das batalhas de Napoleão. São quadros de parede toda, imensos, que primeiro narram as batalhas decisivas da França (todas do lado esquerda de quem entra no salão) e as batalhas vitoriosas de Napoleão (toda ala a direita de quem entra).
Saímos do Palácio pegamos RER C até estação da Tour Eiffel e saltamos ao pé da torre. Atravessamos o Sena e na subida do Trocadero fomos interceptados por uma passeata imensa de tibetanos refugiados em Paris protestando contra o domínio chinês. Um carro de som ampliava as palavras de ordem desse milhares de refugiados. Passeata em Paris dá eco para imprensa mundial.
Subimos a escadaria até o Trocadero (aquele lugar que o Hitler comemorou a tomada de Paris e todo turista tira foto segurando a Tour Eiffel na mão, manja? Mesmo se você não veio a Paris já viu essa foto tenho certeza). Dai começou a chover finíssimo, um vento de levantar elefante do chão e ‘graças aos anjos e a todos os santos’ , boca do Metrô linha 6 estava logo ao lado da entrada do museu de Arquitetura, lugar preferido do meu primo Fernando Zeferino. Estávamos salvos. Uma conexão e descemos na estação de Alesia. Para encerrar o dia, e como ainda não tínhamos almoçado e já eram 16h30 fomos a um mata fome turco e nos deliciamos com uma invenção de um Bou Bom Berlinense. Um misto de comida asiática, com turca à moda de Berlim. Vai entender esse mundo globalizado. Mas estava ótimo e matei minha fome.
Amanhã tem mais
Diários de Paris 09 de Março de 2023
Texto e fotos de Marcus Ozores
Paris está mais respirável, após dois dias de chuva (raramente a chuva é pesada por aqui, como é no Brasil), e a poluição que assombrava a cidade como o anjo exterminador de Buñel parece ter se dissipada, pelo menos por um tempo. Dois dias de chuva e se já observo as flores nos vasos da janela do apê, despertando, são pequeninas flores vermelhas. Na ponta dos galhos das árvores secas no quintal do prédio, já dá para ver minúsculos cachos e folhas que despertam da dormência invernal para fazer alegria dos nossos olhos, já habituados e tristes com o cinza.
As gralhas voltaram a pousar nos galhos para descansar e à procura de algum ninho, de outros pássaros, para se banquetear e levar para os filhotes. É da natureza das gralhas se alimentar de outros pequenos pássaros. Assim, como é natural as árvores renascerem com a chegada da primavera. Morte, renascimento, crescimento, morte é o ciclo da vida num eterno ‘moto perpétuo’.
Para a natureza o tempo não existe o ciclo eterno de renovação e repetição. Para nós, os Sapiens, que nos achamos os reis da cocada preta (já que somos uma ameba que acha que deu certo) o tempo é inexorável, sem volta. Sem volta pelo simples fato que, em algum momento da existência humana, um sujeito qualquer resolveu medir o tempo, daí inventaram o relógio, daí inventaram o trabalho, daí inventaram o tal do ‘rendez-vous’ (que não é encontro clandestino não, como se entende no Brasil). “Rendez vous” quer dizer encontro com hora marcada, nada mais que isso, tá ok? (arre Satanás, até aqui esse Ali Babá, das joias do Aladim, me persegue). Depois que nossos antepassados inventaram o tempo os homens sentiram a necessidade de encher o tempo de afazeres e são tantos e tantos que ninguém mais se lembra direito porque passam a vida toda enchendo o tempo. Talvez fosse melhor, pensou eu sentado na cadeira de balanço, se enchêssemos o tempo lendo poesias.
Hoje a cobra começou a fumar aqui pelas terras do poeta André Chèrnier. Ontem, quarta-feira, no final da noite, talvez fosse melhor na calada da noite, assim fica mais sombrio e literário, os senadores votaram, finalmente, a favor da inclusão do famoso artigo 7º do projeto de lei, que prevê o adiamento da idade de aposentadoria para 64 anos. Trocando em miúdos o caminho está aberto para aprovação do aumento da idade da aposentadoria.
Hoje, quinta-feira, após fazer o café na prensa francesa, com grãos da Etiópia, liguei a Tv para acompanhar notícias da greve já que pretendemos ir com Vic e Jana amanhã ao ‘Chateau de Versailles’. Isso se o RERC não parar novamente como semana passada, no momento está circulando 1 trem a cada 3.
A greve continua em todo o país localizada em setores estratégicos e os bloqueios, em frente as refinarias de petróleo, continuam causando a falta de combustíveis em 8% dos postos de gasolina, espalhados pela França. As centrais sindicais continuam bloqueando estradas e algumas categorias já declararam greve. (Toninho meu amigo, hoje vi na BMF, em transmissão ao vivo, pela manhã, que tem churrasquinho de gato no meio da estrada sim).]
Estão parados os portuários e hoje os lixeiros entraram em greve (vocês não imaginam o que é greve de lixeiros em Paris. Há alguns anos peguei uma dessas e quase não dava para andar nas calçadas). Autoridades -que, como dizem apresentadores de TV, estão preocupados com desabastecimento geral e criticam as autoridades já que 82% da população é contra a mudança da lei aumentando para 64 a idade da aposentadoria. 82% da população, não é brincadeira não. Por isso, analistas políticos (aqui o que não falta são esses entendidos que aparecem aos borbotões nos programas de debate de TV, rádio, internet, botequim, café e até em academias dos dois tipos) que já começam a dizer que Macron não faz sucessor e Marine Le Pen possivelmente será nova mandatária da França. Afinal ela é contra a mudança da lei da aposentadoria. A direita aqui não é a direita neo liberal como o Brasil tentou implantar com o parzinho Guedes & Bozonaro fatiando empresas públicas para vender para os “amicci” e em benefício próprio.
A direita francesa é fascista e xenófoba, por isso, Marine Le Pen, que já foi a favor da aposentadoria, aos 65, agora aparece travestida de camaleão defendendo as mesmas pautas que a esquerda , deu prá entender moçada!!!!!
E hoje, após longa temporada de entorpecimento digital, leio no site dos jornais que os estudantes decidiram paralisar as aulas em várias cidades bloqueando as entradas das salas de aula. Vamos aguardar os lances do xadrez político dos próximos dias para poder se ter uma visão melhor do tamanho do problema.
As frentes sindicais agora exigem que o presidente Macron os receba e prometem endurecer a greve e as ações. Nos jornais televisivos, da tarde, a CGT anunciou que cortou energia elétrica do ‘Stade de France’ onde jogam Neymar e amigos e do Centro Olímpico. Os estudantes dos liceus também , agora a tarde, numa caminhada que começou na Gare de Saint Lazare.
Amanhã vamos tentar pegar o RER C para irmos a Versailles e se conseguirmos espero que no regresso a Bastille continue em pé.
Amanhã tem mais.