Uma grande amiga me ligou desesperada. “Minha filha desapareceu desde ontem. Não sei mais o que fazer”, disse ela soluçando. A garota, de 15 anos, uma negra miúda, extremamente graciosa e bonita, era uma aluna exemplar, filha carinhosa e solícita, sem qualquer problema de comportamento. Por que teria desaparecido?
Na época, cerca de 28 anos atrás, estava na ativa como jornalista e procurei a ajuda de todos meus contatos para encontrar a garota, mas nada! Daí me lembrei: Madalena Fachini, ex-aluna minha na Escola Normal de Formação de Professores em São Sebastião, que era então presidente do Conselho Municipal da Criança e do Adolescente em Caraguatatuba, que tinha ajudado a criar.
Menos de 12 horas depois, Madá -como era e é chamada – havia localizado uma casa na Praia das Palmeiras, nesse município, com oito meninas que seriam enviadas para o Vale do Paraíba. No meio das adolescentes, estava a filha de minha amiga.
Assim é Madalena Maria Fachini, Madalena Maria Damaso dos Santos de nascimento, nascida em 1.944 na cidade de Caçapava, no Vale do Paraíba. Essa mulher de fibra que diz muito nome feio, veio com sua família para Caraguatatuba com a idade de oito anos. “Minha avó dizia que a primeira palavra que falei não foi “angu”, mas c.
Seu pai era dono de uma empresa de terraplanagem e de uma das maiores oficinas mecânicas de todo o Vale. O casal, José e Maria Susana, teve sete filhos: quatro homens e três mulheres.
A Jovem MadalenaMadá era a menina do meio: ” Papai adulava a mais velha, mamãe a mais nova; como eu era um capeta, sempre me ferrei”, conta ela. “Com sete anos, ganhei uma bicicleta e fui andar na Rodovia Dutra, da qual meu pai havia participado da construção. O policial rodoviário que me parou conhecia meu pai e me levou para casa. Mais um peteleco.”.
Quando estava com oito anos, sua família se muda para Caraguatatuba. Um ano depois, seu pai teve um infarto e faleceu. A mãe, uma dona de casa simples, não teve como lutar pelo o que era da família e eles perderam quase tudo que tinham. Então, sua mãe volta para o Vale, onde tinham mais amigos e parentes para os ajudarem,
Menina, Madalena conheceu a fome, pois o que recebiam de ajuda prioritariamente ia para a irmã mais velha que ficou doente dos pulmões, vindo a morrer da doença mais tarde. ” Odeio a fome; só quem passou por ela sabe o quanto é doída”, afirma essa mulher que luta para que todos tenham pão. Por isso sua mesa sempre está repleta de pessoas, sejam da família ou não.
O Casamento com Dadinho
Por recomendação médica, Madalena e sua irmã mais moça retornam para o litoral, afim de não se contaminarem com a doença da irmã. Adolescente, se encantou com o jovem pouco mais velho que era o jogador de basquete mais cobiçado da escola: Rodoaldo Fachini. ” Mas o danado me ignorava e não dava bola para mim e olha que eu era bonita”. Por fim o rapaz teve de se curvar aos encantos da garota e , ainda adolescentes, se casaram.
O noivo, verdadeiro cavalheiro, fica até hoje , um tanto constrangido com o vocabulário da mulher. !
“Mas desde que me conheceu, ele sabia que eu era assim. Aprendi esse palavreado com os mecânicos que trabalhavam com meu pai. Desde pequena gostava de ficar vendo os homens trabalharem nos carros”, diz Madalena.
Um homem muito à frente de seu tempo, Rodoaldo, que mais conhecido por todos como Dadinho, ao ser indagado pela sua mulher, no início de seu casamento, se preferia que ela trabalhasse em casa ou fora, respondeu: ” Trabalhar fora, é claro”, foi a resposta. Então, já gravida da primeira filha, Madalena começou a estudar o curso da Escola Normal, viajando todos os dias para o município vizinho de São Sebastião.
A Professora Madá
E não parou mais. Trabalhava de manhã como professora primária e à tarde, como visitadora sanitária, para a qual fez concurso e passou…e ainda tinha tempo de dar aulas particulares, sem receber, à noite para pessoas amigas. “quando chegava da escola e enquanto tomava banho para ir trabalhar no Posto de Saúde, minha mãe punha colheradas de comida na minha boca, pois não tinha tempo de almoçar sentada”.
Na distante escola isolada com classes do primeiro ao quarto ano numa única sala. À noite, quando dava aulas privadas, preparava o material que entregava aos alunos mais adiantados, enquanto alfabetizava os menores.
A Visitadora sanitária
Mas não terminava aí: No recreio atendia as mulheres do bairro que iam levar seus filhos pequeninos para serem vacinados, pesados e receberem o suplemento alimentar que o Estado fornecia e quando faltava leite em pó, a professora comprava com seu próprio dinheiro.
Nesse bairro, ensinou as crianças a tomarem banho no Rio Claro. Aulas separadas para meninas e meninos, quando tinham suas unhas cortadas e cabelos penteados. As crianças saíam da água completamente asseadas e sabendo como assim permanecerem. “Era uma questão de saúde, não é
mesmo?”, relembra Madá. Mais tarde, depois de 9 anos lecionando, optou por fica somente na Saúde.
“Adorava trabalhar como visitadora sanitária, pois estava em contato direto
com o povo mais simples, partilhando com eles seus problemas e suas vidas”.
A Ativista Social
Do trabalho na Saúde até a participação na criação da APAE, e de outros Conselhos Municipais, foi um pulo. Dadinho, seu marido, que na época era suplente de vereador, ao participar da elaboração da Lei Orgânica Municipal, apresentou um artigo na lei maior do município, tornando oficial e obrigatória o repasse da percentagem de 10% da verba da educação para a educação especial, sendo 7% para as escolas municipais e 3% destinados a entidades filantrópicas que trabalhassem na educação de pessoas com deficiências, como
a APAE. Essa obrigatoriedade oficial é hoje praticada em todo o País.
Essa batalhadora gosta de citar o apoio de toda a comunidade e em especial do Rotary local deu à implantação e construção da sede da entidade. Também a ajuda do então Prefeito Sidney Trombini que dono de uma firma de produção de tijolos, cedeu os que foram usados na construção do primeiro prédio da instituição. “Não posso esquecer que o prefeito Antônio Carlos, logo que assumiu seu primeiro mandato, pagou tudo que a Prefeitura devia à APAE na época: cerca de 27 mil reis. Também o então deputado estadual do PT, Calinhos Almeida, que foi prefeito de São José dos Campos, nos ajudou bastante. Na realidade a ajuda, através de serviços e doações, veio de todos.
Com tanta atividade social, não deu outra: Madá foi intimada a entrar na política partidária, na qual antes só participava de forma anônima. Candidata pela coligação PSB/PT/PCdoB, foi derrotada, mas teve mais de 4.800 votos e a alavancou para a eleição como vereadora no pleito seguinte. Na Câmara Municipal, a vereadora Madá brigou muito com o então prefeito Antônio Carlos e seus vereadores, em seu segundo mandato. Em 2001, a empresa proprietária da área da Praia Mococa, autorizada pela prefeitura e apoio de alguns vereadores teve a permissão de aterrar o mangue e construir uma cerca, com arame farpado na área de jundu da praia. “Ao tomar conhecimento do fato, registrei tudo com minha máquina fotográfica e fui à Promotoria Pública Estadual fazer a denuncia do que estava acontecendo. A Promotora Taborda não só interrompeu as obras de devastação e privatização da praia, como multou os responsáveis.
Sim, Madalena também fez parte da criação da Associação Ecológica de Caraguatatuba. Em companhia do presidente da entidade, Téia Avelar, participaram da extinção de um princípio de incêndio na mata atrás do Morro do Santo Antônio. E os dois eram inexperientes na área.
A Vereadora
Mas o que gostava mais era de brigar com o prefeito por causas publicas, “ele às vezes pensava em fazer a de gente de boba”. O Executivo Municipal mandou para a Câmara Municipal um projeto de lei isentando os ambulantes e feirantes de pagarem impostos municipais. “Tudo bem concordei em apoiar o projeto, afinal ia beneficiar cidadãos carentes; mas embutido no projeto estava um item que me deixou preocupada, pois citava também um outro segmento econômico, que não era nomeado e que descobri ser ” empresa privada de transporte urbano”, ou seja, a concessionária Praiamar. Encaminhei consulta ao Tribunal de Contas do Estado e algum tempo depois, tanto o prefeito como a empresa tiveram de repor os valores da isenção.”
“Infelizmente, o prefeito atual, Aguilar Junior, também, não é grande coisa”afirma Madá.”
“Ele quer mudar a Lei de Uso do Solo de Caraguatatuba para liberar ocupações em áreas protegidas da Mata Atlântica por leis maiores, veja só o absurdo! E infelizmente a maioria dos representantes da Câmara Legislativa está mancomunada com ele, quando deveria exercer sua principal obrigação, que é fiscalizar os atos do poder público municipal”.
E essa é a Madá.
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