Escute o texto em áudio clicando aqui abaixo
Eu gostaria de saber mais sobre a vida das mulheres da Nação Guarani, que tem aldeamentos no litoral norte paulista: A Aldeia de Boraceia, uma subdivisão da comunidade do Rio Silveiras, em São Sebastião, além das comunidades de Bela Vista e Renascer, em Ubatuba.
Como jornalista que acompanhava de perto a luta diária desses indígenas para manterem sua identidade e suas terras, mais conversava e tinha contatos com as lideranças masculinas.
Mas uma coisa era certa: numa época em que a ameaça de perder seu território era presente para os indígenas do aldeamento do Rio Silveiras, nada acontecia sem que todos seus componentes estivessem presentes. O Grupo da Terra, criado no Governo de Montoro na Secretaria do Interior, chegava esbaforido na aldeia para discutir questões fundamentais para sobrevivência de seus moradores.
Uma hora, uma hora e meia tinham de esperar até que, na grande oca reservada para orações e reuniões, chegava todo mundo. Os homens, as mulheres, os adolescentes e as crianças de todos os tamanhos, muitas com papagaios ou filhotes de bicho preguiça apoiados em seus ombros.
Com muita calma e tranquilidade, os homens iam traduzindo para suas companheiras o que era discutido na reunião. Isso, porque poucas delas falavam ou entendiam português. Todas as decisões eram tomadas com aprovação de mulheres e homens.
Nessas aldeias não há criança abandonada. Uma das mulheres me disse que, se tratando de criança, não importava de quem era filho ou filha .” Temos de cuidar de todas elas, porque são nosso futuro“. Para a criança, qualquer mulher ou homem da aldeia sempre a protegeria.
Para a criança, qualquer mulher ou homem da aldeia sempre a protegeria.
Uma vez, no aldeamento de Boa Vista, perguntei a uma mulher como ela fazia para não ter tantos filhos. “Erva do mato que eu e meu marido tomamos”, foi a resposta. Seria uma beberagem?!…
Uma coisa que já havia observado era que no máximo um casal de indígenas tinha três filhos. Como a Mata Atlântica, que devastamos sem piedade, têm tanto remédio que desconhecemos mas não é segredo para os indígenas!…
Um fato que demos muita risada me foi contado por uma amiga querida: Nós tínhamos formado um grupo de pessoas para ir visitar a aldeia do Rio Silveiras, em São Sebastião, que incluiu algumas religiosas.
Numa caminhada no meio da mata que durou cerca de hora e meia, essa minha amiga torceu o pé. Quando chegamos no aldeamento ela não podia mais andar porque seu pé estava inchado e doendo muito. Ela então, permaneceu numa das moradas de uma família indígena.
“a freirinha ficou com vergonha de um ato que para os índios significou amor”
Uma das religiosas, cansada da caminhada, também resolveu ficar com ela. O resto da turma continuou até o Rio Silveira que representava nova caminhada.
Na oca onde estavam, morava uma indígena com seus três filhos. O seu marido estava fora, trabalhando. Numa determinada hora, ele chegou, abraçou a mulher e os dois foram para a rede fazer amor. As crianças continuaram brincando sem nada se importarem…
Minha amiga contou que a religiosa não sabia o que fazer, como se comportar. Vermelha de tão embaraçada, a freirinha ficou com vergonha de um ato que para os índios significou amor, matar as saudades e desejos naturais a um casal que se ama e se dá bem.
Há um episódio ocorrido com os Guarani, talvez o que mais me impactou em toda minha vida de jornalista. Apesar de não estar ligado diretamente às mulheres indígenas, mostra como essa Nação oprimida secularmente pelo povo branco, nos percebe e vê:
Na época do Governo Maluf, foi a aberta a rodovia Mogi-Bertioga. Com esse acesso rodoviário, a área dos Guarani, em São Sebastião e Bertioga, ficou extremamente valorizada. Então, os Guarani possuíam cerca de mil e duzentos alqueires de terra.
Um poderoso grupo de supermercados, da família Peralta, reivindicaram a terra dos indígenas como suas. Segundo eles, num acordo muito generoso, seriam “doados” aos Guarani, um alqueire de terra mais três casas de alvenaria.
”Não ligue não, Pischila, eu entendo. O Deus de vocês mandou matar o próprio Filho, porque não iria matar os índios?!”
Quando soube o que estava acontecendo, saí feito doida- com um guia, através da mata para contar aos indígenas o perigo que estavam correndo.
Didiocó, o pajé, estava me esperando. Nunca entendi como ele podia me esperar, qualquer que fosse a vez que eu me conduzia ao aldeamento. Mas lá estava ele, no meio da mata , perto da aldeia.
Sentados ele e eu na Casa de Oração, contei a ele o que estava acontecendo. Com muita tristeza nos olhos, Didiocó me respondeu:
-”A gente mata todas nossas crianças e depois nos matamos para o branco ver como ele é malvado”.
Daí então, ele olhou para mim, uma branca que era sua amiga e pondo a mão no meu joelho, me disse:
-”Não ligue não, Pischila, eu entendo. O Deus de vocês mandou matar o próprio Filho, porque não iria matar os índios?!”
Eu gelei quando ouvi ele falar. Não era melhor jogar aquele que escandaliza um dos pequeninos, com uma pedra amarrada o pescoço e jogá-lo no rio? Qual a visão que os indígenas brasileiros, têm de nós, cristãos e pessoas “de bem” que os colonizaram?!…
Leia Mais de Priscila Siqueira Clicando nos links
Turquinha a primeira vereadora de São Sebastião