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Sem qualquer dúvida, o Bairro de São Francisco, em São
Sebastião, é o recanto mais bonito desse município. Nele estão
presentes a beleza do oceano que pode se perder no infinito, o
verde da maravilhosa Mata Atlântica e a vista das escarpas da
Serra do Mar. Além dos contornos de Ilhabela fazerem parte de
sua paisagem …
” A Magia do Barro”
Mas o que dá um toque especial de beleza a essa praia, são os
numerosos barcos dos pescadores que moram na região, muitos
vindos da ilha de Vitória. Isso tudo, sem falar no majestoso
convento de Nossa Senhora do Amparo, uma bela construção
de estilo franciscano iniciada no século XVI.
Foi exatamente nesse bairro que em 1917, nasceu Adélia
Barsotti da Ressureição , provavelmente descendente de italianos que apareceram nesse litoral.
Essa mulher é considerada a maior representante da cerâmica
utilitária indígena, responsável pela confecção de potes,
panelas, jarros- material de uso diário nas casas caiçaras.
Em 1910 havia cerca de100 paneleiras no Bairro”
Segundo estudos sobre esse artesanato, em 1910 havia cerca de
100 mulheres trabalhando com esse tipo de cerâmica no bairro
de São Francisco.
É interessante notar, que essa era uma atividade feminina. O
homem podia ir apanhar o barro, mas quem o moldava era a
mulher.
” Panelas até em Paraty”
Certa vez, eu estava fazendo uma reportagem na praia do Sono,
em Paraty e encontrei na casa da caiçara que eu entrevistava, cerâmica igual da do Bairro. (Como é chamado o bairro de São
Francisco…)
Perguntei à senhora que me abrigava, de onde havia conseguido
aquelas panelas e potes e ela me respondeu:
-”A gente “chapava” o barco de banana, farinha de mandioca e
peixe seco e ia para São Francisco trocar por panelas que a
gente precisava”. O velho e bom escambo…
“A vida de paneleira é muito dura”
Adélia teve 11 filhos e nenhuma de suas filhas quis continuar
sua obra. “A vida de paneleira é muito dura”, me disse ela certa
vez.
Moldar o barro, manter a temperatura certa no forno de
lenha e ficar atenta à queima das peças, exige muito trabalho.
Muitas vezes as peças podem se rachar no forno, quando todo
trabalho é perdido.
“E o pior”, continuou Adélia” é que está cada vez mais difícil
conseguir barro. Nos lugares onde ele existe, estão construindo
casas. A gente não tem onde achar material para trabalhar”.
Apesar de sua família não ter seguido sua profissão,. outras
pessoas -até mesmo de outras cidades- se identificaram com a
arte de Adélia e estão dando seguimento a ela.
Adélia Barsotti morreu com 86 anos, em 2003. Mas a magia
que suas mãos calejadas produzia, permaneceu nos seus potes,
panelas e jarros de barro nos encantando até hoje !
A Autora
Priscila Dulce Dalledone de Siqueira, 83 anos, é jornalista pioneira no jornalismo ambiental, aposentada no Estadão. Tem 3 livros publicados. dentre eles Genocídio dos Caiçara link aqui . É colunista e Mestre Proeira da Cancioneiro Caiçara . Vive em São Sebastião.
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