As pastorinhas
“Creio que realizemos o desejo de Dom Fragoroso: criar uma comunidade com os excluídos, com as mulheres da zona, os mendigos, os sem teto, os malabaristas que passam por nossa cidade”. Quem afirma isso é a irmã Maria Geralda Resende, da Congregação Religiosa Irmãs do Bom Pastor, quando se refere à Comunidade do Povo da Rua, cuja sede fica na rua Amazonas, em São Sebastião.
Essa mineira de Resende Costa (tenho muito orgulho de ser de lá…), nascida em 1939, entrou no Convento aos 19 anos de idade. Isso, apesar de namorar um rapaz dois anos mais velho que ela, desde os 13 anos.
– “Gostava muito dele como amigo, mas a relação com ele estava me sufocando. Casar não era minha vocação”. Fiel enamorado, esperou que Geralda fizesse os votos perpétuos para desistir dela.
Ela veio para São Sebastião em 1979
Geralda veio para São Sebastião em 1979, a convite de um grupo de mulheres paroquianas que já há um ano trabalhavam com as prostitutas da cidade. Elas tinham aceito um desafio do pároco local, David, da Congregação dos Espiritanos. Ele estava preocupado com as condições de vida das mulheres que “batalhavam” na zona de prostituição.
Depois de um ano da luta nesse trabalho, esse grupo convidou as irmãs do Bom Pastor para ajudá-las. Esse convite foi feito por conselho do Dominicano frei Barruel Lagnest, que como psicólogo, já há muito trabalhava com prostituas na cidade de São Paulo. Segundo ele, “ nossa meta não é tirar a mulher da prostituição mas fortalecer sua autoestima, como cidadã e filha de Deus. Então, se ela quiser outra opção de vida, ela vai procurá-la”.
Muitas religiosas dessa Congregação vieram trabalhar em São Sebastião durante todos esses anos. Mas há uma em especial que sempre me emocionou por sua humildade, alegria constante e dedicação aos menos favorecidos : a irmã Célia.
“Testemunhei em várias ocasiões, essa religiosa ficar ao lado de travestis ou prostitutas acometidos de AIDS”
Testemunhei em várias ocasiões, essa religiosa ficar ao lado de travestis ou prostitutas acometidos de AIDS- a praga de tempos passados- até sua morte. Eles deitados na cama de seu quarto insalubre alugado do dono da boate; Célia seu lado deles, cuidado dos doentes e os confortando com palavras de carinho.
As religiosas do Bom Pastor começaram a Pastoral da Mulher Marginalizada- PMM, na cidade. Essa pastoral fazia reuniões com as meninas levando agentes de Saúde para darem palestras e atendimento imediato. Também aconteceram na sede que tinham na Rua Amazonas, cursos de beleza como manicure e cabeleireiro, e além de celebrações religiosas ecumênicas.
Hoje as “pastoras do Bom Jesus” delegaram a PMM para um grupo de leigas. Elas trabalham no Centro Comunitário do Povo de Rua, que dá refeições aos que o frequentam, três vezes por semana: segundas, quartas e sextas-feiras. ”Estamos em entendimento com as freiras do Bairro de São Francisco e as do Topo, para preencherem os dias que faltam” afirma Geralda.
Os frequentadores desse Centro Comunitário também recebem roupas e agasalhos para enfrentar o frio do inverno.
“Tudo o que acontece nesse Centro Comunitário é fruto de trabalho voluntário de muita gente”
Tudo o que acontece nesse Centro Comunitário é fruto de trabalho voluntário de muita gente, a maioria mulheres. As ofertas de alimento pela sociedade local, também são muito grandes. “Recebemos dois sacos de feijão e mandamos um deles para a Casa Esperança, em Guaratinguetá”, nos diz Geralda. “Nós também temos que dividir.” O básico da alimentação é doado pela Casa Brasileira, uma Organização da Sociedade Civil que trabalha a questão da Cultura em São Sebastião.
Mas não é somente o alimento e roupas que são partilhados aí. Após o jantar, há sempre uma roda de conversa com música e confraternização de todos eles. Uma vez por mês, também é rezada uma Missa no local pelo pároco atual de São Sebastião, padre Alessandro.
Nesse Centro de Acolhimento também são realizados encontros com profissionais de Saúde para bate-papos e atendimento primário. Segundo Geralda, é grande o índice de tuberculose, hoje em dia , tanto nos pobres de rua como nas prostitutas.
Uma fato interessante que aí é observado e a presença dos malabaristas de rua que frequentam seus jantares. São jovens vindos de outros países latino-americanos, como Argentina, Peru, Bolívia e Venezuela. “Eles são muito solidários uns com os outros: alugam uma casa onde todos dormem e depois de algum tempo, ganhando um dinheiro na cidade, vão para São Tomé das Letras, em Minas Gerais”.
-”Já que há muita gente achando que trabalhar com prostitutas é perda de tempo por ser um trabalho inócuo, qual sua avaliação do que agora acontece em São Sebastião depois de tantos anos em relação a essas mulheres?!” pergunto eu.
Geralda respira fundo, pensa um pouco e responde :
-”Penso que essa realidade é muito tênue. Mas acredito que essas mulheres tiveram um crescimento na sua autoestima pois não se deixam explorar como antes e conhecem a Legislação que as protege da violência”.
Sim, o trabalho feito por essas religiosas não atendeu somente aos desejos de Dom Fragoso. Segundo o teólogo Leonardo Boff, um trabalho social deve atender aos três pilares: a Caridade Assistencialista, pois não adianta falar de Direitos Humanos a quem está morrendo de fome; a Caridade Integradora que faz o oprimido se sentir parte de uma comunidade que o aceita como ele é, e a Caridade Libertadora que leva o indivíduo a se ver e sentir como cidadão brasileiro digno de seus Direitos.
E é isso que a Comunidade do Povo da Rua tenta fazer!…
NR- Dom Antônio Batista Fragoso foi o primeiro Bispo de Crateús , no Ceará. Era adepto da Teologia da Libertação.