Por Priscila Siqueira
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A trajetória de vida de Teresinha Marciano, lembra as palavras tão repetidas por “Che” Guevara, do poeta espanhol Antônio Machado ” Caminante no hay camino, se hace camino al andar”. Seu testemunho é claro- “Somente com mais de quarenta anos eu tomei noção de minha Negritude”, diz essa mulher que hoje tem 71 anos.
Desde muito jovem envolvida em trabalhos da ajuda a outras pessoas, Teresinha de Oliveira Marciano Costa, só veio a perceber a importância política de sua atuação na comunidade com sua própria militância.
“Foi aí que começou o Movimento Negro de Caraguatatuba”
“E com a ajuda de meu irmão Jair Marciano, já falecido, que morava em São Paulo e um dia me perguntou- “Se você faz tanto trabalho social, por que esquece de nosso povo negro?!” Então, todos os finais de semana ele vinha para o litoral conversar comigo e outras amigas e amigos, sobre a situação de opressão que nosso povo vivia e a necessidade de mudar tal realidade. Foi aí que começou o Movimento Negro de Caraguatatuba”.
Teresinha, nascida em 1952, é uma “caiçara” mineira da cidade de Lambari, Minas Gerias, num bairro da então zona rural, chamado Nova Badem: “Eu sempre tive uma família estruturada, de nove irmãos, pobre, mas que tínhamos sempre o que comer e vestir”, lembra ela.
““Devo muito à dona Filhinha, nossa professora,”
Estudou em uma escola rural, onde os alunos das quatro séries ficavam em uma mesma sala com uma única professora. “Devo muito à dona Filhinha, nossa professora, que quando a aula acabava, propunha que fôssemos à sua casa comer queijo, paçoquinha, doce de abóbora, canjica, todas essas coisas gostosas feitas na roça”.
Só mais tarde Teresinha compreendeu a estratégia dessa professora. A professora Filhinha era casada com um fazendeiro da região. Apesar de terem de andar quase 20 quilômetros para chegar na sede da fazenda onde ela morava, a perspectiva de tantas guloseimas fazia com que os alunos seguissem sua mestra.
Lá, antes de servir os doces, ela continuava dando aulas, observando como faziam seus exercícios de casa e tomando a lição de cada um deles. “Na realidade, além de reforçar o ensino dos alunos, ela estava também estava preparando quem estava na da quarta série – da qual eu fazia parte – para o exame de admissão ao ginásio na cidade”.
Com 13 anos, Teresinha foi trabalhar como empregada doméstica.
Nessa época, em Lambari, havia somente um ginásio para receber os alunos das escolas rurais espalhadas no município e pelas cidades vizinhas. “Claro que a maioria dos alunos do ginásio eram moradores da cidade geralmente com mais posses que nós da roça”. Mas os todos alunos de dona Filhinha, inclusive Teresinha, passaram no exame de admissão daquele ano.
Com 13 anos, Teresinha foi trabalhar como empregada doméstica. “Nunca gostei de brincar com bonecas, mas com bola, peteca e fazer comidinha”, diz ela. Com um pessoal da cidade, ela se muda para o Rio de Janeiro, trabalhando na casa deles. “Desde que comecei a trabalhar, todo salário que ganhava mandava para meus pais, pois tinha muita pena de meus irmãos e sobrinhos que meus pais criavam”.
Na Cidade Maravilhosa chegou a trabalhar na residência do responsável pela segurança da Embaixada Americana, um Fuzileiro Naval. Essa residência ficava em Copacabana e lá ela ganhava um bom salário de 60 cruzeiros- dinheiro da época, “Tudo era enviado para meus pais”, afirma ela com convicção.
No Rio de Janeiro, o que adorava era frequentar a praia e as escolas de samba
No Rio de Janeiro, o que adorava era frequentar a praia e as escolas de samba durante os finais de semana. “Por isso sai do emprego na embaixada. Quando terminou o tempo do meu patrão no Brasil, quem ia substituí-lo era uma família com filhos. Daí não quis mais ficar, porque meus finais de semana iriam acabar se tivesse de cuidar de crianças”.
Então, Teresinha vem para São Paulo a convite de uma irmã que já trabalhava nessa cidade. Na “Pauliceia Desvairada” conhece Aluizio com que tem sua primeira filha, Laura, em 1975. Casando um ano depois, tiveram outra garota, Vânia.
Como Aluizio era funcionário da Caixa Econômica Federal, eles se mudam para Caraguatatuba, onde ele começa trabalhar. após um período no estado do Espírito Santo. Isso em 1979.
Essa mulher que hoje é avó de dois netos, fez parte por dois mandatos no Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra do Estado de São Paulo, nas gestões da presidente Elisa Lucas Rodrigues. Atualmente participa do Conselho Municipal de Políticas Culturais de Caraguatatuba- Setorial de Etnia e Gênero; é vice-presidente do Conselho da Criança e Adolescente, além de fazer parte do Conselho Deliberativo da Fundação Cultural de Caraguatatuba -FUNDACC, no Setorial de Folclore e Tradições Populares
Na época do Governo Montoro, foi muito ligada ao pessoal da antiga – Superintendência do Litoral Paulista – SUDELPA, e do Grupo da Terra, da Secretaria do Interior do Estado de São Paulo que lutavam pelo empoderamento das caiçaras e a manutenção de suas posses centenárias.
Foi também, durante oito meses, voluntária na antiga Casa do Menor de Caraguatatuba. Nessa época participava do Movimento Nacional Meninas e Meninos de Rua.
Como se formou em História em 2007, depois de casada, um dos projetos que ama, é levar alunos do município para conhecerem as ruínas do Sítio Arqueológico existente no Bairro de São Francisco, em São Sebastião.
“Tudo indica que o local era de “engorda” dos negros vindos da África e que estavam desnutridos e doentes. Na realidade os cativos eram considerados contrabando, porque na época o trânsito de escravos estava proibido pela Inglaterra em todo mundo. Havia uma grande fazenda no local, inclusive com capela. Depois de recuperados, os negros eram levados por uma estrada que ligava a Fazenda ao Vale do Paraíba; lá eles eram vendidos aos fazendeiros do café”.
Essa mulher negra sente que tal experiência seja feita somente com as escolas particulares de São Sebastião. “Os pais dos alunos arcam com as despesas de condução até o local de subida na mata e o lanche para os garotos. Seria ótimo que as Prefeituras Municipais do Litoral Norte, comprassem essa ideia que mostra aos jovens o passado da região e a realidade do povo escravizado”.
Meio a contragosto, empurrada pelo padre italiano Nino Carta, que então atuava em Caraguatatuba, entra também na Pastoral do Povo Negro. Apesar dessa pastoral social ter agora pouco apoio da Igreja Católica da região, ela ainda sobrevive principalmente em Ubatuba. “É uma pena que a Igreja não perceba a importância de trabalhar a valorização do povo preto como cidadãos e Filhos de Deus”.
Sua paixão mesmo, é a Organização da Sociedade Civil- OSC (atual nome para as ONGs) que ajudou a formar em 2000, ZAMBO, que quer dizer” Filhos de Negros e Indígenas”.
Com um projeto junto à Petrobrás, no período de 2013 a 2015 formou 20 mulheres vulneráveis em costura industrial que durou dois anos.
Em 2022, a Zambo, foi contemplada com o Projeto do EDITAL PROAC 50/2022, sendo o recurso para adequação do espaço da sede, para oferecer um local mais acolhedor para os fazedores de Cultura.
Com outro projeto com ITAU FIA 2022, em implantação com adolescentes no contra- turno escolar, incentivando arte, artesanato, com ênfase na cultura negra, com base na Lei 10.639-2003.
“Como resultado de nossas atividades e ações, temos um jovem que hoje fazendo graduação na UNESP em Araraquara”,
Para Teresinha promover o conhecimento do seu povo é tarefa crucial:” O negro no Brasil faz parte das camadas mais pobres da sociedade, com pouca instrução. Mudar essa realidade, é esse é o nosso desafio”. Consequência de tanta luta, Caraguatatuba em 2007, foi o 13º município do Estado de São Paulo, a determinar feriado municipal o Dia da Consciência Negra, 20 de novembro.
Sua briga atual é lutar para que as Políticas Públicas como a Lei 10.639-2003 que inclui no curriculum oficial a História Afro Brasileira da Cultura Afro, seja efetivada. Também a lei 10.645, que tem o mesmo teor em relação à Cultura Indígena.
A OSC tem um espaço maravilhoso no meio da Mata Atlântica, perto da SP55, que liga Caraguatatuba a São José dos Campos.. Lá, “os fazedores de cultura” elaboram e pensam como ampliar sua atuação na sociedade, no meio de muita comida de origem africana, música e manifestações culturais.
Teresinha, que como seu nome indica um diminutivo, é uma mulher pequenininha. Mas gigante na determinação de fazer seu povo e sua gente ser considerados cidadãos de primeira classe como deve ser, em nosso Brasil.
Sim, Teresinha abriu uma estrada com sua caminhada de libertação, orgulho e muito amor para si mesma e para seus irmãos pretos a qual é seguida por tantos outros que agora fazem a mesma caminhada.