Crônica e fotos de Marcus Ozores
Nunca acreditei nem em bruxas nem em coincidências, mas que existem bruxas e coincidências, isso lá, existe mesmo. No hotel onde estou hospedado, na avenida Litorânea, a janela do meu quarto não dá para nenhuma outra das milhões de outras janelas que existem no mundo. A janela do meu quarto dá para a praia do Calhau banhada pela imensidão das águas do Atlântico que nos une a Portugal.
Como estou na cidade de São Luís a janela do meu quarto obrigatoriamente se abre para o Norte e, portanto, da janela do meu quarto de hotel tenho a visão do nascer e morrer do sol, coisa que só se vê das praias do Pará, Maranhão, Piauí (sim o Piauí tem um marzinho pequenino mas tem), Ceará e parte do Rio Grande do Norte antes de fazer a curva. Quem tem mais de 5 décadas vividas se lembra das aulas de geografia quando aprendíamos os 4 pontos cardeais ficando de costas para o Leste, à frente o Oeste, estendendo o braço direito o Norte e estendendo o braço esquerdo o Sul. Nunca mais me esqueci e quando ainda me sinto perdido em qualquer cidade ainda tento me localizar pelo trajeto do Sol, coisas de quem estudou há muito tempo atrás.
Mas, voltando a falar sobre coincidências e bruxarias, hoje fui ouvir a apresentação de historiadores sobre o negócio da escravidão no Brasil. Na parede da sala de aula, de uma escola de primeiro grau, no centro histórico da cidade, estava colado à parede um cartaz, em cartolina branca, com o poema ‘Canção do Exilio’ de Gonçalves Dias. E o que tem esse cartaz com as minhas coincidências? Muito bem. Eu nasci em Araraquara e vim ao mundo pelas mãos de uma parteira, dona Rosa, nas dependências da Santa Casa. Sim sim, quando nasci o parto não era ainda reserva de mercado exclusivo dos e das obstetras. O parto pertencia ao universo feminino e as responsáveis por colocarem crianças no mundo eram as parteiras ou dolas, como se diz nos dias hoje.
Uma semana depois de nascido, fui levado para minha casa. A coincidência é que dos zero ano até os 15 anos cresci e morei na rua Gonçalves Dias quase esquina com a avenida Bento de Abreu. Se bem que em Araraquara quase ninguém, na minha época de infância e adolescência conhecia as ruas e avenidas por nome, mas sim, por números. A rua Gonçalves Dias sempre foi conhecida como rua 1, em numeral. Mania de grandeza, entendi mais tarde, para dar um ar de metrópole cosmopolita, pois, ao adotar os numerais para denominar ruas e avenidas, dava impressão de ser chique, como em Nova Iorque. Se é verdade ou não, não sei, mas foi assim que me explicaram muitos anos depois quando já havia me mudado da cidade.
Outra coincidência é que o José Sarney, sim o ex-presidente, que está bem vivo, ocupou ontem, terça feira, o noticiário do jornal televisivo local (de sua propriedade) informando que o velho cacique havia recebido alta hospitalar depois de cair, na sua residência, em decorrência de uma isquemia cerebral. Vicentão, velho amigo jornalista me escreveu hoje cedo, via Zap, após ler a postagem desses diários, para dizer que há muitos e muitos anos veio a São Luiz entrevistar o Sarney, pelo Estadão. Me disse que passou um dia inteiro na casa do velho cacique maranhense na sua uma mansão, aqui na praia do Calhau. Se Sarney ainda mora aqui no Calhau ou não, não consegui descobrir, aliás nem tentei. Já não tenho mais faro de repórter.
Como ontem comentei aqui para vocês sobre o abandono do centro histórico hoje, ao procurar informações sobre a saúde do ex-presidente, me lembrei de um documentário sobre a posse do velho Udenista como governador do Maranhão, pela primeira vez, em 1966. O documentário, produzido pelo velho Barretão e dirigido por um jovem e irrequieto Glauber Rocha tem como título ‘Sarney 66’. O documentário é de uma força impressionante pelas imagens da pobreza muda da população urbana e rural que se contrapõem com massa de homens de ternos em cima de um palanque de madeira acompanhada que aplaudem o discurso do jovem advogado recém-eleito e amigo, à época, do comunista e poeta Ferreira Gullar. O discurso de Sarney é mais o resultado de 5 anos da faculdade de direito, um texto de frases emboladas e incompreensíveis para a massa ignara que acompanha o teatro político armado em um palanque em frente ao Palácio dos Leões, lindo prédio novecentista, onde fica a sede do governo estadual maranhense e que está fechado atualmente para visitação, infelizmente.
É obvio que esse documentário nunca foi usado, como peça de propaganda, para o governo Sarney, como previsto inicialmente, mas se transformou em ‘cult’ para milhares de jovens , mundo afora.
Nos 10 minutos de edição desse documentário, o gênio Glauber, aparece como alma da velha bruxa com capacidade de prever o futuro nos pequenos detalhes. A trilha sonora do filme é o som direto da leitura do discurso de posse pelo jovem Sarney, um advogado recém-formado, que havia se casado com dona Marli quando entrou como aluno no primeiro ano da faculdade. Sarney com vinte e poucos anos se elegeu governador, pela velha UDN de Carlos Lacerda, depois de se candidatar e ter perdido eleição para deputado pelo PDS. O documentário termina com a festa de tambores no crepúsculo do dia com massa de negros entoando loas a Sarney e dona Marli que, segundo vozes correntes, sempre esteve ligada às religiões afro do Maranhão.
Nesse documentário – que coloco aqui o link acima para quem quiser assistir – serviu como laboratório e primeiro estudo de Glauber para que, no ano seguinte, em 1967, filmasse o premiadíssimo Terra em Transe tendo José Lewgoy no papel de presidente da fictícia Republica de Eldorado e Ferreira Gullar no papel do jornalista idealista e poeta Paulo Martins.
Lembrando que Ferreira Gullar e Sarney foram amigos de juventude e a candidatura de Sarney naquele momento representava, em 1966, a derrotada do vitorinismo, isto é, a derrubada da velha elite política local comandada pelo coronel Vitorino de Brito Freire, por isso, o interesse de Glauber e Barretão na feitura do documentário.
No final do dia, por volta das 18h30, um grupo de jovens universitários que participavam do encontro da ANPHU, aqui em São Luiz, propôs que fôssemos a uma região, localizado na península Ponta d’Areia, chamado Champs Mall. Nessa península estão localizados os prédios da classe média alta e altíssima. Um lugar paradisíaco com dezenas de bares e restaurantes, um atrás do outro, com excelentes preços e opções. Se vierem passear por aqui não deixem de vir nessa região. Nos restaurantes centrais de comidas típicas, com exceção do restaurante escola do SENAC, só arrisquem disputar uma mesa nesses restaurante ou biroscas se tiverem tempo de sobra e disposição para aguardar entre hora e meia a duas horas a feitura dos pratos pedidos.
Lembrem-se da frase que postei ontem aqui dita por um amigo que leciona há duas décadas na UEM ( não confundir com a UEM de Maringá): ‘o que une riquíssimos, ricos, classe média, pobres e miseráveis por aqui é a falta de esgoto’.
Até amanhã.