Texto Priscila Siqueira
Quando liguei para Jandira afim de marcar nossa conversa, ela foi categórica: “Venha cedo, porque no final da tarde eu vou para o mar”…
A caiçara Jandira Peixoto de Oliveira mora num canto escondido do bairro da Enseda, em São Sebastião, bem em frente ao mar, que não pode ser avistado por quem trafega na estrada SP 55. Essa praia não é boa para banhos de mar porque é barrento
e tem muito lodo. Mas é perfeita para a vida marinha, muito piscosa.
Nascida em 1945, seu pai trabalhava na chata dos ingleses , donos de uma fazenda em Caraguatatuba. Sem papas na língua, Jandira não hesita em contar:” Meu pai era muito preguiçoso; quem trabalhava duro em casa, era minha mãe. Foi por ela que puxei…”
“Mamãe pariu 13 filhos, mas só se criaram três meninas.
O pai se encantou com umas portuguesas que viviam em Santos e largou a família. “Mamãe pariu 13 filhos, mas só se criaram três meninas. Naquela época, a maleita levava embora as crianças, matava muito”.
A mãe de Jandira (“nome de indígena que meu pai escolheu”…) possuía um grande roçado que alimentava a família. Com dez, doze anos, essa caiçara com suas irmãs, aí trabalhavam e levavam para casa, feixes de madeira, mandioca, feijão e frutas colhidas no local.
Os “Capitães do Cacau”
Apesar de seu pai ter voltado para a família, era a mãe quem mais sustentava a casa. “Teve uma vez que os vereadores de São Sebastião queriam dar o nome de meu pai para o rancho de pesca aqui da praia. Eu fui clara: se dessem o nome de meu pai e não de minha mãe ao rancho, eu punha fogo nele”. Por isso, o rancho de peca da Enseada se chama “Joaquina Peixoto de Oliveira”, mãe de Jandira.
O avós maternos de Jandira, eram considerado os “Capitães do Cacau”, da região. Esse cacau plantado por eles, era exportado para a Inglaterra, através dos carregamentos da Fazenda dos Ingleses.
Jandira estudou até a quarta série do ensino fundamental, com “dona Tetê”, conta ela. “Casei muito cedo, com 15 anos, porque mamãe era muito rígida com as filhas e eu queria um pouco de liberdade”. Mas não deu muito certo. Seu marido- Benedito Aniceto dos Santos, “apesar de ser um homem honesto e um ótimo pai, era muito mau marido”.
Ela conta que Aniceto tinha sido filho de pai violento e acabou sendo criado pelos avós. “Ele era conhecido por todos por “Chimango” e era um jogador de futebol tão bom como o Pelé. Quando foi para ele ir jogar no Santos , ele ficou com pena de deixar o avós sozinhos em São Sebastião e desistiu do convite”
Por conta de seus seis filhos Jandira ficou casada 29 anos. ”Só quando meu caçula já estava com 17 anos, eu resolvi dar um basta à tanta agressão. Ele me batia muito, mas eu também batia nele”…
” O mar foi minha salvação”
Para sobreviver e criar os filhos, Jandira – que fez curso de costura por correspondência- costurava o para fora, teve um bazar, foi empregada doméstica em casas de turistas e enfrentava qualquer desafio de trabalho que aparecesse pela frente, inclusive pescar.
“Eu sou uma mulher grosseira, não tenho medo de lidar com serrote, prego, martelo, faço mesmo qualquer trabalho de homem. Ela consertou uma canoa que estava furada, com muito capricho, para ninguém botar defeito!
“Só tive vida de mulher mesmo, quando me separei E o mar foi minha salvação. Quando você vai para o mar, não pensa em mais nada…tudo fica calmo e silencioso”.
”O tubarão salvou minha vida”
Essa caiçara teve dois relacionamentos amorosos depois de divorciada.-”Fiquei uns tempos com um baiano que era muito bondoso. Mas não deu certo porque ela era depressivo. Aí fica difícil, não é ?!”…
Jandira faz e conserta redes de pesca, tem três cercos de pesca que visita todos os dias e vende peixe para fora. Certa vez, quando estava completamente sem dinheiro para atender as necessidades dos filhos, pescou um cação de mais de 2 metros. ”Esse tubarão salvou minha vida: com sua venda paguei tudo o que devia e ainda sobrou uma graninha”…
Sem canoa ia até cerco a nado
“Quando ainda não tinha canoa, eu ia até cerco a nado e punha os peixes dentro de meu maiô. Chegava na praia com um barrigão cheio de peixes frescos ; um dia, um amigo me alertou- Qualquer dia, um desses peixes morde você feio”, conta ela. “ Mas Graças a Deus, isso nunca aconteceu”.
Sua atividade no mar fez com que Jandira se abrisse para a Vida. Frequenta o Clube da Terceira Idade, o” Polvo” já por 13 anos, e lá participa de inúmeras atividades esportivas e sociais. Não perde um baile desse clube. ”Adoro dançar. Quando estava casada, não saia de casa…”
Centena de medalhas
Na sala de sua casa caiçara há uma centena de medalhas ganhas por ter vencido corridas de barco, natação, corridas de revezamento, jogos de salão como dominó, dança de salão e muitas taças que são exibidas com orgulho.
“Gosto de me vestir com muitas cores. Minha cor preferida é o vermelho. Uma vez, fui comprar um vestido em São José dos Campos e a moça me trouxe um vestido cinza. Eu falei para ela: ”Criatura, esse vestido é para velha!”
o mar que me espere, que já estou chegando”….
Na tarde fria de outono, a chuva fina não para de cair. A amiga que me acompanha na entrevista com Jandira, faz um apelo:” Não vá hoje para o mar. Já está escuro, está frio e chovendo muito”.
Ao que Jandira replica :“A lama do fundo do mar, esquenta e se não formos pegar, o peixa afunda nela; daí apodrece, o que é muito ruim e triste..Não. Vou vestir meu shorts e um agasalho e o mar que me espere, que já estou chegando”….