Paula Galani de Barros não foi somente a “Dama do Carnaval em São Sebastião”. Não, foi muito mais que isso. Pessoa alegre, com muita empatia pelo outro, essa mulher, além de ser uma das pioneiras das escolas de samba nesse município, também foi artesã, costureira, mestre na cozinha, mãe e esposa , uma pessoa que ajudou os presidiários na cadeia da cidade e que estava sempre aberta para receber e ajudar quem precisasse. Isto é, Paula foi uma mulher à frente de seu tempo!!!
Nascida em Cosmópolis, na região de Campinas em 1931, quando tinha 16 anos sua família se muda para a cidade de Santos. Em 1968, já casada e mãe de três filhos- a menor, Luciana com dois meses – vem para São Sebastião. Isso porque, seu marido, Geraldo de Barros, era auditor fiscal e veio transferido para esse município.
Paula teve quatro filhos: Márcia, Carlos, Luciana e Alberto.
“Mestra da Cultura Viva de São Sebastião”
“Vim para cá e daqui não saí mais”, diz ela no vídeo feito pelo projeto “Mestres da Cultura Viva de São Sebastião”, da prefeitura local, prêmio com que foi agraciada. Como seu marido e companheiro, Paula, falecida em 2019, também, está enterrada na terra que tanto amou.
Sou testemunha de sua bondade, pois ela trazia os presos da cadeia local para tratarem seus dentes com meu marido, o cirurgião dentista João Augusto Siqueira. “Tenho muito dó desses homens, porque há no grupo quem ainda não foi julgado mas está preso há mais de um ano”, ela me dizia. ”Mesmo que venha a ser absolvido, quem em sua família ou amigos vai acreditar que ele não era culpado e não merecia o sofrimento que passou?!”…
Ela ensinou a esses presos a trabalhar como o tear, fazer tapetes de taboa que na época era abundante na região. ”Eu ia com uns policiais e alguns presos catar taboa na Enseada; nós fazíamos os tapetes do pátio da Delegacia de Polícia e depois eu vendia o trabalho deles na cidade para poderem contar com alguma renda”, afirma Paula em seu vídeo.
Os Presidiários e o Centro de Convivência para a 3a Idade.
De 1987 até 1994, Paula foi fundadora e presidenta da CCTI Polvo, um Centro de Convivência para a Terceira Idade. Mais uma preocupação dessa mulher incrível: o bem estar das pessoas idosas tão descartdas em nossa sociedade capitalista.
O Polvo, que funciona até hoje, representa para muitos idosos a chance de uma conivência saudável, a abertura para ações culturais e esportivas e, mais do que tudo, um lugar onde é acolhido e respeitado.
A primeira escola de samba de São Sebastião
Mas sua grande paixão era mesmo o carnaval. “A primeira escola de samba de São Sebastião nasceu em minha casa”, diz ela. Em sua casa era um “entra e sai” de pessoas que queriam fazer parte da escola. Para manter sua paixão. Paula e os componentes da Escola trabalhavam o ano inteiro com barracas na Rua da Praia onde eram vendidos curau, milho verde, pamonha, sopa de milho…
Muitas vezes ela também ia em bloco – acompanhada pelo marido – com uma caixa com a qual pedia ajuda para sua escola. “A gente passava na Rua da Lama e os gringos sempre nos ajudavam, assim como a gente da cidade”
O testemunho de Reinaldo Vasquez, responsável pelo visual da Mocidade Independente da Topolândia, mostra o carinho e respeito que Paula despertava entre os que com ela partilharam o mesmo sonho de um carnaval bonito na cidade :
”No aniversário de 15 anos da Escola, em um carro que homenageava todos os presidentes, decidi não colocar um em especial no centro do carro, para não desmerecer os demais, Coloquei então, Paula Galani lindamente sentada em um trono no centro. Minha justificativa era que ela já tinha sido enredo da Mocidade em 1995 e era precursora do carnaval em São Sebastião. Ninguém contestou.”
Segundo Reinaldo, “ O efeito foi lindo! Vestida de preto, em um traje de gala, empoderada em meio aos homens que fizeram a história da Mocidade Independente da Topolândia!”
O Prefeito Mansueto, o sargento da Marinha e a X9
Ela conta que certa vez o então prefeito Mansueto Pierotti, liberou uma verba para a escola de samba. Porém, o encarregado do Turismo da Prefeitura Municipal, um sargento da Marinha, afirmou que não liberaria a verba pois ia usá-la para trazer a Escola de Samba X9 de Santos, para desfilar em São Sebastião.
Paula, então, resolveu desistir de sair com sua Escola naquele ano. No dia do desfile, pegou uma cadeira de praia e sentou-se em frente ao palanque do prefeito. Passa um bloco, passa outro e nada de Escola de Samba. Pierotti desceu do palanque e foi falar com ela indagando onde estava sua Escola. “Pergunte ao seu chefe de turismo”, respondeu ela.
O dinheiro oferecido pela prefeitura foi insuficiente para fazer com que a X9 desfilasse em São Sebastião…
O Rei Momo era uma mulher…
De outra feita, na última hora em que estavam para ir às ruas, seu Rei Momo resolveu que só sairia se recebesse uma grana que ela não tinha. Paula não teve dúvidas: mandou o rei despir sua fantasia, amarrou um travesseiro na barriga, pôs algodão nos sapatos que eram número 44 , pintou o rosto e saiu de Rei Momo. “Só não falava, para ninguém perceber que o Rei Momo era uma mulher”. Segundo seu testemunho , “Nunca dancei e brinquei tanto como naquele carnaval”.
Paula ia a São Paulo capital comprar os tecidos para as fantasias de sua Escola. Sua cores: branco e azul. Em uma essas ocasiões , ela trouxe duas peças de cetim , cada uma com 40 metros de pano. As peças foram colocadas no porta malas do ônibus em que viajava.
Acontece que devida a uma chuva intensa, Caraguatatuba por onde o ônibus passava, estava totalmente alagada. Resultado: a tinta do pano azul, manchou completamente a peça do branco.
“A ala das baianas daquele ano, foi a mais bonita de todos os outros nossos desfiles”, afirma Paulo no vídeo.
As saias rodadas em diversos tons de azul, fizeram um sucesso total…
Tinta de geladeira e Purpurina no cabelo do Rei Negro
Às vezes, havia alguns percalços… Um dos desfiles e suas Escola, o Rei Momo era um moço negro, de quase 2 metros de altura. Ele fazia 2 anos que não cortava o cabelo porque queria deixá-lo armado, “black power”. Na hora de se preparar para sair, ficou o dilema: o que fazer com aquele cabelão?!
Um dos companheiros de Paula deu a solução: trouxe um spray de tinta branca, passaram em todo o cabelo e depois, Paula jogou muita purpurina em cima.
O resultado ficou lindo e o Rei Momo abafou do sábado até a terça feira de carnaval.
O problema é que, quando foi lavar o cabelo na quarta feira, a tinta não saia. Era uma tinta usada para reparar e nas geladeiras do então supermercado Garça…
Paula conta que o rapaz que há dois anos não cortava o cabelo teve de raspar a cabeça que ainda ficou com muita purpurina… Durante muito tempo, ele teve de usar um chapéu enterrado na cabeça para esconder a careca brilhante!
“Ele me disse que, se naquela quarta- feira ele me encontrasse, era capaz de me matar”… afirma rindo no vídeo.
Uma mulher à frente de seu tempo
Para sua filha Luciana, opinião compartilhada pelos irmãos ( Márcia, Carlos e Alberto), “Mamãe era uma mulher fora da curva para sua época. Nunca deixou de ser uma mãe amorosa ao mesmo tempo que quebrava os parâmetros do que se esperava de uma mulher de seu tempo. Ela, como mulher e ser humano, realmente ultrapassou os limites impostos pela sociedade e abriu espaço para outras mulheres”.