Sob o sol de Chumbo
Por Marcus Ozores
Diário do ano da peste , dede 2021. Hoje é sábado dia 14 de agosto. E como hoje é sábado o nosso Senhor Jesus Cristinho resolveu de me enviar mais um WhatsApp angelical me colocando a par de uma situação muito constrangedora para ele. Isso porque outro dia me disse que ele estava andando pelo céu e encontrou uma figura muita magra, careca, de terno e gravata e óculos de aros redondos negros chorando muito. Ao perceber aquela figura triste ele se aproximou e perguntou o que estava acontecendo. E eis o relato que o nosso Senhor Jesus Cristinho. A pessoa que chorava copiosamente era o poeta Carlos Drumond de Andrade que ficou chocado ao receber a noticia que o governo do capitão resolveu leiloar vários prédios históricos pertencentes ao Estado brasileiros. Dois desses mais emblemáticos ficam no Rio. O prédio do jornal A Noite que fica perto do porto e onde ficava a Radio Nacional (que o governo do capitão extinguiu) e o Palácio Gustavo Capanema, inaugurado em 1946, durante o governo Vargas e que abrigou o Ministério da Educação. E é por isso que o Drumond estava chorando me disse nosso senhor Jesus Cristinho, pois, ele passou boa parte da sua vida profissional trabalhando nesse edifício. E o pior que o leiloeiro oficial desses imóveis é ex grande investidor do mercado de ações e misto de Ministro da Economia que ao invés de implantar políticas públicas para aumentar emprego e fazer girar a economia prefere vender mais de mil edifícios públicos pelo país para arrecadar 1,1 bilhão de reais. Pior é que até hoje três anos depois o Paulinho não soube explicar o que faz no ministério.
E só posso me manifestar contra essas vendas aqui na minha república anarquista dos Tupinambás, em Barequeçaba, lançando minhas granadas do “Só a poesia nos Salvará”.
E em protesto vou ler poema de Carlos Drummond de Andrade que dispensa apresentações aqui nessas minhas leituras. Nesses tempos obscuros que vivemos vou ler do nosso poeta de Itabira dois poema. O primeiro tem como título:
CONGRESSO INTERNACIONAL DO MEDO
Provisoriamente não cantaremos o amor,
que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos.
Cantaremos o medo, que esteriliza os abraços,
não cantaremos o ódio, porque este não existe,
existe apenas o medo, nosso pai e nosso companheiro,
o medo grande dos sertões, dos mares, dos desertos,
o medo dos soldados, o medo das mães, o medo das igrejas,
cantaremos o medo dos ditadores, o medo dos democratas,
cantaremos o medo da morte e o medo de depois da morte.
Depois morreremos de medo
e sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas.
O segundo poema tem como título:
SENTIMENTO DO MUNDO
Tenho apenas duas mãos
e o sentimento do mundo,
mas estou cheio de escravos,
minhas lembranças escorrem
e o corpo transige
na confluência do amor.
Quando me levantar, o céu
estará morto e saqueado,
eu mesmo estarei morto,
morto meu desejo, morto
o pântano sem acordes.
Os camaradas não disseram
que havia uma guerra
e era necessário
trazer fogo e alimento.
Sinto-me disperso,
anterior a fronteiras,
humildemente vos peço
que me perdoeis.
Quando os corpos passarem,
eu ficarei sozinho
desfiando a recordação
do sineiro, da viúva e do microscopista
que habitavam a barraca
e não foram encontrados
ao amanhecer
esse amanhecer
mais noite que a noite.