Diário do ano da Peste
Texto, vídeo e foto: Marcus Ozores
Ontem foi sábado dia 28 do mês do cachorro louco que está acabando. O filósofo Teofrasto que viveu na Grécia antiga entre os anos 372 a.C. – 287 a.C. e foi aluno de Aristóteles na escola peripatética que em grego significa os filósofos que se movimentavam e davam suas aulas ao ar livre. Aristóteles foi o preceptor de Alexandre o Grande . Teofrasto, nascido na ilha de Lesbos. Teofrasto que foi o sucessor de Aristóteles na direção da escola peripatética cunhou uma frase célebre que atravessou os séculos: “Um orador sem critério é como um cavalo sem freio”.
E foi essa cena – descrita por Teofrasto há 2.500 anos – que centenas de pastores pentecostais – participavam ontem pela manhã de um encontro nacional, na cidade de Goiania, quando o capitão presidente adentrou ao recinto, pegou o microfone e discursou por meia hora. Como sempre usando da mesma narrativa já velha das urnas fraudadas e fazendo uso de citações bíblicas para justificar ter sido escolhido pelo Deus de Israel elevou o tom de voz (que deve ter ensaiado a noite toda) e fazendo um exercício de futurologia previu que existem “três alternativas para meu futuro: estar preso, ser morto ou a vitória”. Imediatamente, o nosso Senhor Jesus Cristinho me enviou um zap lá do céu, pois, era sábado dia que ele fiscaliza a criação dos seus irmãos e irmãs que seu Pai criou aqui na Terra à sua imagem e semelhança. Jesus Cristinho me enviou apenas uma frase que diz assim: “Avisa ao capitão que o vestibular para Deus está fechado”. Só isso e desejou um excelente final de semana àqueles de boa vontade.
Vamos à poesia
E nesse sábado nossa nau da língua portuguesa continua ancorada em terras portuguesas onde visitamos os versos do poeta Gastão Santana Franco da Cruz nascido na cidade de Faro em 20 de julho de 1941. Gastão Cruz como poeta seu nome aparece inicialmente ligado à publicação coletiva Poesia 61 que foi a principal contribuição para a renovação da linguagem poética portuguesa na década de 60. A sua obra Rua de Portugal recebeu o Grande Prémio de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores, em 2004 e em 2009, A Moeda do Tempo mereceu o Prémio Correntes d’Escritas. A 8 de novembro de 2019, foi agraciado com o grau de Grande-Oficial da Ordem do Infante D. Henrique.
Vou ler de Gastão Cruz dois poemas desse renovador da poesia portuguesa:
NAS MURALHAS DO MAR
Qual dentre as primeiras do
dia é a imagem
da gruta onde a voz
se repercute o
tema do extenso poema
falhado tal o autor o dizia
ansiosamente prostrado
na adoração da morte Do seu
corpo esgotado
pela algidez das águas não sobrava
nenhum tempo vivido entre
as muralhas gerais dessas
cidades Assim
como uma vaga suicida
marcado pela água o corpo à gruta
tal a voz à imagem refluia.
– Gastão Cruz, em “O pianista”. Porto: Limiar, 1984.
PEREGRINOS
Toda essa gente dos transportes públicos
diariamente em trânsito parece
mover em sentido único um corpo que arrefece
Viste passar espectros vindos
do espelho informe em que também te vês
romeiros quem sois vós que destruís
a vossa imagem desistindo dela.
Filhos fostes; trazidos na corrente
do fogo, regressais
ao presente e chamais-vos ninguém
– Gastão Cruz, em “Óxido”. Lisboa: Assírio & Alvim, 2015.