A incrível história de uma pequena cidade deste Brasil machista , onde as mulheres tem relevância no poder, na sociedade e na política
Por Pitagoras Bom Pastor
Uma das filhas caçulas, do casamento da Serra do Mar com o Rio Paraíba, a pequena cidade de Guararema ( situada a 70 km da capital paulista, e que é geograficamente ligada ao Vale do Paraíba, porém , política e administrativamente subordinada à região do Alto Tietê cuja cidade principal é Mogi das Cruzes – tem uma característica que a diferencia entre os municípios brasileiros: nela as mulheres tem grande relevância econômica e política , fato que se origina com a fundação da cidade. Suas ruas bem cuidadas e arborizadas, seus jardins, seus prédios públicos e praças, refletem positivamente esse olhar feminino, que a acompanha desde o berço.
Primeiro, era uma vila construída em torno de uma capela, num bairro que até hoje tem nome feminino: a Freguesia da Escada. A capela foi construída para adorar uma santa: Nossa Senhora da Escada.
Em 1825, nasce Dona Laurinda de Souza Leite, uma mulher cuja história ainda está para ser devidamente contada ( há pouca informação sobre ela na historiografia oficial) . Proprietária de terras , na então Freguesia da Escada, Vila de cerca de 2 mil moradores, ela doou uma parte dessas terras a uma sua ex-escrava, Maria Florência ( cuja história oficial, também carece de melhores detalhes).
Essa escrava , num ato de desprendimento e bonomia, então, construiu em parte da sua área de terras, a capela de São Benedito, numa área distante da o sede da Freguesia cerca de 3,5 km. Com a criação da Estação da Estrada de Ferro D. Pedro II, nasce , no entorno dessa capela, o núcleo Guararema, o qual, tendo ficado maior que a própria Freguesia da Escada que lhe dera origem, foi elevado à condição de município em 19 de setembro 1899.
Vê-se, aí no começo de sua história, que duas mulheres, Dona Laurinda e Maria Florência, que deram , por assim dizer, o ponta pé inicial para a criação da cidade. O curioso, é que no século XIX, ou seja 1875, duas mulheres e não dois coronéis, negociam terras de que são proprietárias, em ato de doação continua, ou seja de Dona Laurinda para Dona Maria Florência e desta para Igreja Católica. Dessas doações que nasce a cidade.
Mas, naqueles idos, a mulher sequer podia votar, quanto mais dispor de seus bens ( o direito de livre administração de seus patrimônio só foi conquistado pela mulher no Brasil, em 1964).
Pioneiras na política
O direito da mulher brasileira de votar e ser votada só foi reconhecido em 1932 pelo código eleitoral Provisório – Decreto 21076, de 24 de fevereiro de 1932, outorgado pelo presidente Getúlio Vargas. Mas até hoje, a participação da mulher na política é minoritária.
Se isso é fato em todo o Brasil, em Guararema, novamente, se mostra diferente. Com apenas 118 anos de existência a cidade já foi administrada em 4 mandados, ou seja, em 16 anos, por mulheres. Por três vezes foi eleita prefeita a Sra. Conceição Alvino, certamente, até hoje, a liderança política mais relevante na cidade; uma vez, pela professora Deoclésia de Souza Mello.
Se Conceição marca pela relevância de sua liderança política, iniciada na eleição de 1988 e que prossegue até hoje através de seu herdeiro político, o filho, Deputado Federal, Márcio Alvino que certamente ainda hoje conta com a sua ajuda e aconselhamento nos bastidores- , Deoclésia marca pelo seu pioneirismo. Foi a segunda mulher no, Estado de São Paulo e a terceira no Brasil, a alcançar o cargo de prefeita eleita.
Isso se deu em 1964 . Apenas para se ter uma ideia, a cosmopolita São Paulo, só elegeu uma mulher, no caso Luiza Erundina, em 1988. Nesse ano, novamente, Guararema elegia uma outra mulher para prefeitura, a Conceição Alvino. A capital do Vale do Paraiba, São José dos Campos, só teve prefeita em 1992 – Ângela Guadagnin. Atualmente, são 4.908 homens administram cidades no Brasil e apenas 662 mulheres segundo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
O protagonismo das mulheres já vem desde a santa primeira padroeira, a Nossa Senhora de Escada,segue nas suas duas Mães-Fundadoras, Dona Laurinda a rica proprietária e a escrava Maria Florência , e que prossegue depois, no pioneirismo de Deoclésia Souza Mello e na relevância de Conceição Alvino, Esse protagonismo feminino, num pais patriarcal marcou indelevelmente a cidade. Ainda hoje, em Guararema, são as mulheres as protagonistas. Não deve ser por mera coincidência, que a maiorias dos magistrados que passaram pelo Foro da cidade foram juízas. Ainda hoje, uma é juíza de direito, a atual chefe do poder Judiciário, Vanessa Enânde. Igualmente, a cidade teve um grande número de Promotoras de Justiça. Todas as atuais diretoras de Cartório do Forum, são Escrivãs Judiciais. Na Policia Militar, Kátia, é a mais popular entre os membros da corporação
No Comércio, igualmente, há grande participação das mulhres como proprietárias de lojas. Até mesmo nas igrejas evangélicas, há 3 mulheres pastoras que se sobressaem no campo religioso evangélico, área até a pouco exclusividade dos homens
A relevância da mulher em Guararema, é interessante e merece um estudo sociológico. Pensamos em abordá-lo em uma só matéria. Impossível, ante a riqueza do tema. Vamos abordá-lo em partes. O nosso primeiro destaque será a prefeita Deoclésia de Almeida Mello, uma mulher nascida, em 1900, com uma mentalidade ultra moderna, até para os dias atuais.
Vanessa Enânde, natural de Poá, é a juíza de direito de Guararema desde de 2006, e portanto chefe do Poder Judiciário local, questionada sobre esse tema disse que “nunca antes houvera pensado nisso. Mas hoje concorda que essa não parece ser uma mera coincidência. “Antes mostra que, nesse aspecto de aceitar a liderança feminina como natural e boa para a sociedade, Guararema está à frente de seu tempo e portanto é um exemplo a ser seguido”.
O feminismo no Brasil e a cidade
Além das grandes mulheres conhecidas e reconhecidas pela história, também morou em Guararema, a escritora Maria Lacerda Moura. Anarquista, ela foi a primeira e até hoje é considerada uma das mais importantes defensoras do movimento feminista no Brasil. Ela nasceu em Manhuaçu, Minas Gerais, mas foi em Guararema, na Colônia dos Campangnoli, entre 1926 e 1935 que ela escreveu grande parte de sua vastíssima obra, levando o nome da cidade para o mundo inteiro, dado à sua fama mundial, principalmente nos meio acadêmicos.
Uma pergunta que não quer calar: teria Deoclésia Almeida Mello, convivido com Maria Lacerda de Moura em São Paulo, na década de 1920, ou pelo menos com suas idéias? Ambas eram professoras. Ambas eram, cada uma a seu modo, feministas. Deoclésia, do pouco que se sabe sobre ela era conservadora politicamente, mas tinha idéias avançadas sobre o papel da mulher na sociedade , área de estudos e de militância da grande Maria Lacerda. Estão aí mais questões a serem respondidas na fantástica história da pequena cidade de Guararema. Uma cidade que tem, certamente, uma grande contribuição para história do Brasil contemporâneo ainda a ser revelada.