Diário do ano da peste de 2021 e hoje é quinta feira, dia 30 de setembro
Texto e vídeo de Marcus Ozores
E hoje é meu último dia aqui nas terras dos temidos índios Manaós que habitavam as margens do Rio Negro no encontro com o Solimões. E continuo lançando minhas granadas de indignação com esse país com a forma que tenho como protestar com “Só a poesia nos Salvará” do besteirol nacional.
Hoje uma matéria no portal da Folha de São Paulo me chamou atenção e fez minha memória regredir para os tempos do meu curso ginasial na década de 1960 quando líamos o romance de Raquel de Queiróz “O Quinze”, lançado em 1930, mas que trazia a história da maior seca que o nordeste havia presenciado até então ocorrida em 1915. Lembro também das imagens nas primeiras páginas dos jornais e nos noticiários do rádio que nos informavam das massas de milhares de retirantes que do campo que vagavam pelas estradas em busca de água e comida e eram barrados para entrar nas capitais do nordeste. Achava eu que essas imagens de pobreza absoluta não veríamos mais nesse país do futuro que é o Brasil no segundo decênio do século XXI, o século tecnológico.
E como presenciar fome absoluta num país que há décadas lidera o ranking de maior produtor mundial de grãos e carne? A noticia chocante que me trouxe à memória essas tristes imagens que víamos até a década de 1980 foi a que ontem um caminhão carregado com ossos estacionou no bairro da Glória, ao lado do Palácio do Catete, antiga sede da presidência da República, no Rio Janeiro, e distribuiu ossos para uma massa humana de desdentados e famintos. E no momento que essas imagens se tornam cada vez mais frequentes pelo país afora o nosso capitão sorri e faz motociatas seguindo por um grupo de Hells Angel’s.
E como hoje é meu último dia em terras do Curupira vou ler para vocês os versos da poeta e geógrafa indígena chamada Márcia Vieira da Silva, conhecida pelo nome artístico de Márcia Wayna Kambeba nascida em Belém do Solimões, estado do Amazonas, em 1979. Descendente da etnia Omágua/Kambeba, Márcia Wayna Kambeba nasceu numa aldeia ticuna, onde viveu até os oito anos de idade, quando se mudou com a família para São Paulo de Olivença. Graduou-se em Geografia pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA). Fez o mestrado na Universidade Federal do Amazonas e pesquisa o território e identidade da sua etnia. A poesia de Márcia Wayna Kambeba reflete a violência contra os povos indígenas e os conflitos trazidos pela vida na cidade Vou ler para vocês o belíssimo poema Território Ancestral.
Território Ancestral
Por Marcia Waina Kambeba Maá munhã ira apigá upé rikué Waá perewa, waá yuká Waá munhã maá putari. Tradução: O que fazer com o homem na vida, Que fere, que mata, Que faz o que quer. Do encontro entre o “índio” e o “branco”, Uma coisa não se pode esquecer, Das lutas e grandes batalhas, Para terra o direito defender. A arma de fogo superou minha flecha, Minha nudez se tornou escandalização, Minha língua foi mantida no anonimato, Mudaram minha vida, destruíram o meu chão. Antes todos viviam unidos, Hoje, se vive separado. Antes se fazia o Ajuri, Hoje, é cada um para o seu lado. Antes a terra era nossa casa, Hoje, se vive oprimido. Antes era só chegar e morar, Hoje, nosso território está dividido. Antes para celebrar uma graça, Fazia um grande ritual. Hoje, expulso da minha aldeia, Não consigo entender tanto mal. Como estratégia de sobrevivência, Em silêncio decidimos ficar. Hoje nos vem a força, De nosso direito reclamar. Assegurando aos tanu tyura, A herança do conhecimento milenar Mesmo vivendo na cidade, Nos unimos por um único ideal, Na busca pelo direito, De ter o nosso território ancestral. O que fazer com homem na vida Que fere, que mata, Que faz o que quer?