Diário do ano da peste de 5 de outubro de 2021
Texto e vídeo Marcus Ozores
E hoje é dia 5 de outubro, terça feira cinzenta, dia seguinte que o mundo descobriu que está nas mãos de Mark Zuckerberg. Sim aquele loirinho que não terminou a universidade de Harvard pois transformou o livro de fotos dos formandos de cada ano, no maior sucesso das mídias sociais. As irmãs gêmeas do face, whatsapp e instagram movimentam diariamente parte da economia real. Afinal o mundo virtual só se concretiza com o Zé Mané em cima de uma moto, ou do Zé Otário com seu carro tipo uber para realizar entrega que todo mundo faz nas redes. E agora José? Você se deu conta que boa parte dos seus dados pessoais estão em poder de apenas uma empresa mundial?
Agora o assunto hilário de hoje é o depoimento do empresário Raimundo Nonato Brasil, da VTClog, na CPI do Covidão. Quando questionado sobre como o motoboy da empresa sacou 400 mil reais na boca do caixa da conta da VTClog e usou o dinheiro vivo para pagamentos de boletos e propinas o sr. Raimundo Nonato do alto da sua imponência disse: a culpa é do moto boy. Esse é o Brasil de todos nós.
E hoje nossa nau da língua portuguesa visita os versos do poeta Sérgio Vaz, nascido na cidade de Ladainha, em Minas Gerais, em 26 de junho e aos 5 anos de idade veio com a família e estabeleceu-se em Taboão da Serra, na região metropolitana de São Paulo. Sérgio Vaz fundou em 2000 a Cooperativa Cultural da Periferia (Cooperifa) e também foi o criador do Sarau da Cooperifa, que semanalmente reúne cerca de 400 pessoas no Jardim Guarujá para ler e criar poesia.
Promoveu em 2007 a Semana de Arte Moderna da Periferia, inspirada na Semana de Arte Moderna de 1922. Criou outros eventos, como a Chuva de Livros; o Poesia no Ar, em que papeis com versos são amarrados a balões de gás e soltos no ar; e o A joelhaço, em que homens se ajoelham na rua para pedir perdão às mulheres no Dia Internacional da Mulher.
Vou ler de Sérgio Vaz a crônica intitulada:
O Riso do Palhaço sem alegria
Outro dia alguém, não sei bem porque e quando , me disse que a vida era um presente divino, e que devíamos saber aproveitá-la, e jamais esquecer de agradecê-la, quem quer que fosse o padrinho. E que por pior que se apresentasse a vida, estar vivo era um milagre dos céus.
-“Deus sempre sabe o que faz”, enfatizou o amigo, filósofo de botequim, cheio de paz no coração e repleto de alegria artificial na cabeça.
Fiquei meio assim com essa idéia de que a vida é um presente, porque outro dia também ouvi de um mendigo agradecido pela sobras de um almoço: “cavalo dado não se olha os dentes”, nesse mesmo dia o vira-lata ficou sem o seu almoço na lata de lixo. As migalhas não escolhem os miseráveis, elas são presentes do acaso.
É preciso estar no lugar certo, na hora certa, nos diz as pessoas que embrulham os presentes. Mas como os pobres e os vira-latas não têm relógio, sempre chegam atrasados. Assim como os ônibus.
Não sei quem me disse que para entender a vida era preciso conhecer a palavra de deus, mas como ele nunca apareceu pessoalmente, durante muito tempo acreditei nos mandamentos dos publicitários.
Lembram daquela profecia? ”O mundo trata melhor quem se veste bem”. Pois é, o mundo dá crédito para quem tem crédito.
E aí, se a vida é agora, Vida loka ou Vida besta? Descobrir tem seu preço. Na verdade acho que a vida é uma das coisas mais engraçadas que o mundo nos dá, e que por isso mesmo, muitas vezes não tem graça nenhuma. Não é que eu seja mal-agradecido, e ria menos que devia para o destino, mas é que tem umas coisas que acontecem…
Vai vendo a ironia do destino, tenho um amigo que estava já algum tempo desempregado, estava vivendo de bicos -sei que tem muita gente que não sabe, mas viver de bico não tem graça nenhuma. Ele agora faz bico em uma loja de sapatos, e a coisa mais engraçada é que ele não é vendedor, nem gerente ou faxineiro, meu amigo é o palhaço da loja. É.
Ele fica na frente da loja vestido de palhaço, fazendo graça para as pessoas que passam. Parece legal né? Mas não é.
Quando eu o vi e reconheci-o até que foi meio divertido, não sei se porque o patrão estava olhando, mas seus olhos e a maquiagem mal feita, o traíram. Estava triste.
Puxa, pensei um homem desempregado não deveria ser palhaço, ser palhaço não é uma profissão, é um estado de espírito, um dom. Taí, um presente.
Que tristes tempos nós vivemos, em que os circos se foram para o nunca mais, e os palhaços-trapezistas habitam as lojas de sapatos.
Também tentei fingir, e ri um riso falso de poeta que tem a boca desbotada, para que ele, talvez, se mantivesse digno em seu novo emprego, para que ele talvez se mantivesse firme na corda-bamba dessa vida, que mais parece sapato sem cadarço, para os que têm pés-de-chinelo e as pegadas miúdas que rastreiam o chão duro da felicidade que nunca vem.
Despediu-se de mim com os olhos e partiu arrastando sua tristeza oculta em outra direção. Ele se aproxima de uma menininha que se afasta meio com medo.
A Mãe, sem-graça, diz: “não tenha medo minha filha, é só um palhaço.” “Quem dera”, pensou ele.
“A Vida não é engraçada, um homem triste a fazer sorrir os outros?”, disse a voz do destino, segurando um cartão de crédito sem-limites na mão, e um peito vazio na outra.
Sem saber como chorar, ele respondeu com os olhos: “Não mãe, não é só um palhaço, é um homem sem emprego, desfrutando o presente da vida”.
Mas há os desempregados, que cegos, viram atiradores de facas.
Dói só de lembrar.
Sérgio Vaz
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