Diário da peste de 24 de outubro de 2021
Texto e vídeo de Marcus Ozores
Foto: Paulo Leminski via Wikipédia
E hoje é domingo dia 24 de outubro e o dia segue em ondas para o mar e eu sigo meu caminho nas pegadas dos Tupinambás, fundadores da República Anarquista nas areias de Barequeçaba. E por isso que continuo daqui lançando minhas granadas contra a ignorância coletiva com “Só a poesia nos Salvará”.
Uma coisa que admiro, é a mania de grandeza do brasileiro. Eu acho que é assim desde que o tal de Pero Vaz de Caminha escreveu naquela famosa carta de fundação da República dos Papagaios dizendo ao rei de Portugal que aqui tudo em plantando tudo dá. E dá tudo mesmo e muito grande. Aqui os Laranjas são os maiores do mundo, o estádio de futebol é o maior do mundo, em compensação é o maior país de desdentados do mundo, apesar de ser o país com maior número de dentistas do mundo.
Aqui tudo é grande mesmo. Aqui a colheita de grãos é a maior do mundo e a fome também é tão grande quanto a colheita, aqui tem 207 mil milionários que ficam com 50% do PIB e mais de 20 milhões de miseráveis que vasculham o lixo da casa dos ricos para poder garantir uma refeição por dia. Aqui, segundo o capitão, tem Posto Ipiranga, onde o preço da gasolina sobe todo dia e não tem mais frentista atendendo, todos pediram demissão e mudaram-se para ilhas Cayman e aguardam a chegada do chefe do bando, pois, lá ele é amigo do banqueiro que toma conta das suas verdinhas.
Enquanto isso aqui em Terras de Pindorama a vida segue com fome. E para reinterpretar o Brasil só mesmo Paulo Leminsky, o underground curitibano que via o mundo do avesso e de quem já li várias vezes, seus poemas nesse espaço. Vou ler dois poemas do saudoso Paulo Leminsky que nos deixou 44 anos, embalado pelas noites com conhaque na fria Curitiba.
1 -Dor elegante
Paulo Leminski
É muito mais elegante
Caminha assim de lado
Com se chegando atrasado
Chegasse mais adiante
Carrega o peso da dor
Como se portasse medalhas
Uma coroa, um milhão de dólares
Ou coisa que os valha
Ópios, édens, analgésicos
Não me toquem nessa dor
Ela é tudo o que me sobra
Sofrer vai ser a minha última obra.
2- Aviso aos náufragos
Paulo Leminski
Esta página, por exemplo,
não nasceu para ser lida.
Nasceu para ser pálida,
um mero plágio da Ilíada,
alguma coisa que cala,
folha que volta pro galho,
muito depois de caída.
Nasceu para ser praia,
quem sabe Andrômeda, Antártida,
Himalaia, sílaba sentida,
nasceu para ser última
a que não nasceu ainda.
Palavras trazidas de longe
pelas águas do Nilo,
um dia, esta página, papiro,
vai ter que ser traduzida,
para o símbolo, para o sânscrito,
para todos os dialetos da Índia,
vai ter que dizer bom-dia
ao que só se diz ao pé do ouvido,
vai ter que ser a brusca pedra
onde alguém deixou cair o vidro.
Não é assim que é a vida?