Crônicas caiçaras de Ubatuba
Texto João Batista Antunes – Joban
Fotos arquivo pessoal J. B. A
Praia Grande de Ubatuba, a praia mais badalada do litoral norte Paulista. Muito frequentada pelos turistas e por surfistas por causa de suas ondas, é ideal para a prática do surfe. Praia Grande que no verão está sempre lotada de turistas com seus guardas -sóis e barracas. No inverno é frequentada pelos surfistas que promovem os campeonatos de surfe nessa linda praia. A rodovia Tamoios passa ao longo da praia dividindo a área de lazer da área residencial, onde podemos ver enorme enormes prédios, altos e majestosos, sendo que há mais prédios na Praia Grande que no próprio centro de Ubatuba.
Mas eu pergunto: será que sempre foi assim? Será que a Praia Grande sempre teve essa procura e essa frequência? 60 anos atrás , a Praia Grande tinha um outro visual. Mesmo com a recente construção da rodovia SP 55 que liga Caraguá a Ubatuba, sua orla marítima era coberta pela vegetação natural da Mata Atlântica. Os caiçaras não a frequentavam nem para lazer nem para pescar. A pesca ali era difícil por causa da força correnteza dessa praia.
Isso me lembra uma história contada pelo povo do lugar. Dois pescadores (cujo nome verdadeiro vou preservar. Vou chamar um de Pedro e o outro de Tavinho ), resolveram tirar a limpo essa história de que a Praia Grande não servia para pescar. Pegaram o seu picaré, que é uma rede presa a dois pedaços de madeira, madeira essa conhecida pelos caiçaras como “calão”, e se dirigiram para a praia. Chegando lá, o Pedro Baiacu* disse:
– Eu vou no “calão de fora” – (que é o cabo de madeira na ponta da rede que vai por dentro do mar enquanto o “calão de terra” vai pelo lagamar).
Mas Tavinho Boca Larga* disse para ele:
– Carma Baiacu, ocê não sabe nada, é mior ocê ficá no “calão de terra” e eu vou no “calão de fora”, pruque aqui tem muita correnteza e ocê pode se afogar.
Pedro Baiacu que era um cara teimoso retrucou:
– Que nada, tem perigo não. Eu vou no “calão de fora” e está acabado.
Apanhou a madeira (calão) e adentrou mar a fora, enquanto Tavinho Boca Larga ficava no lagamar segurando “calão de terra”. Tavinho sentia os puxões que Pedro Baiacu dava lá dentro d’água puxando o picaré na intenção de cercar o peixe. Até que, de repente, ele sentiu que a rede ficara mais leve e não demorou muito ele viu o “calão de fora” batendo na areia junto ao lagamar. Gritou pelo Pedro Baiacu, perdeu a voz de tanto gritar, ninguém respondia ao seu chamado. Desolado, recolheu a rede e voltou para o Itaguá, bairro onde morava, e parou no bar do Seu Quinzinho e contou a história para os seus amigos. O pessoal ficou desolado com a notícia e foram todos para a Praia Grande a fim de ver se resgatavam o pescador das traiçoeiras águas do mar da Praia Grande, ou recuperavam o corpo morto.
Depois de muitas buscas nada encontraram e o Chico Rita disse: “Ó xente, acho que o Pedro Baiacu já era. Agora ele vai virá assombração para assustá os incautos e impedir que arguém tente pescá lá”.
Foi assim que o boato se espalhou. Aqueles que passavam a noite pela Praia Grande diziam que viam um enorme baiacu voando sobre as águas com cabeça de gente. Por isso, poucos tinham coragem de passar pela estrada que ligava o centro de Ubatuba aos bairros do sul. passando pela Praia Grande, tornando-se então para os caiçaras uma praia “mal assombrada”, como diz o povo do lugar.
Meu vai viu a danada
Meu pai, o Antunes, da Enseada, contava, que uma noite, voltando do Itaguá, lá pelas sete horas da noite, quando chegou na Praia Grande. ele avistou um homem com um longo capote preto e um enorme chapéu de palha na cabeça. Ele decidiu apertar o passo para alcançar o indivíduo, pois achava que seria bom ter uma companhia para prosear, enquanto caminhava para o seu destino. Mas parecia que quanto mais ele tentava alcançar a pessoa, mais ela se distanciava. Assim foi que quando estava quase no final da Praia Grande, o sujeito surgiu a sua frente ao alcance de sua mão. Meu pai bateu no ombro do indivíduo e disse:
– Boa noite amigo, vamos caminhar juntos?
Uma escuridão tomou conta dos olhos de meu pai e quando tudo clareou ele estava já subindo o morro da praia das Toninhas, aproximadamente uns três quilômetros de onde estava, e o sujeito tinha desaparecido. Eu não creio em assombração, mas é difícil não acreditar na história de meu pai, porque ele era um homem que nunca mentia.