Crônicas Caiçaras de Ubatuba
Por: João Bastista Antunes -Joban
Eu estudava no ginasial à noite no grupo escolar da rede estadual de educação, em Ubatuba, o Dr. Esteves da Silva. Eu estudava no período da noite, por não haver vaga no período matinal. Era recreio, todo mundo reunido no pátio, quando um dos meninos gritou :
– Olha o monstro! Olha o monstro! Corram, corram do monstro!”
Meio aparvalhado, sem entender muito bem, fugi junto com os outros garotos com um sentimento de medo provocado pela reação de todos. Mas, curioso, fiquei de espreita na porta do banheiro para ver o tal monstro.
Qual não foi a minha surpresa ao ver que a pessoa que adentrava ao pátio era meu pai seu Antunes, que estava vindo para uma reunião de pais na escola. A Educação era muito melhor, e o dirigentes e professores se preocupavam que todos os pais estivessem presente na reunião e assim à noite era o mais provável a presença de todos). Quando eu vi que era meu pai, imediatamente eu perguntei ao garoto mais perto de mim:
– “Porque você está chamando meu pai de monstro ? O meu pai não é monstro não!
O garoto me respondeu:
-Claro que é monstro! Ele é um negro fedido!
Naquele momento o sangue subiu-me a cabeça e eu não vi mais nada, apenas os risos debochados daqueles garotos chamando meu pai de negro. Parti para a violência, coisa que nunca foi do meu gênero. Dei um soco na boca dele que caiu sangrando.
Meu pai que havia se aproximado, viu tudo o que aconteceu e se aproximando mais de mim disse:
– Filho por que você bateu no garoto? Que foi que ele te fez?
Eu falei ainda com raiva incontida dentro de mim e querendo mais uma vez agredi-lo, e achando que o meu pai iria me apoiar disse:
– Pai eles chamaram o senhor de negro!
Meu pai tranquilo como se nada fosse com ele, respondeu:
– Filho, não se preocupe, eu sou negro !
E eu completei: “Ele disse que o senhor é negro fedido! Que o senhor é monstro, meu pai!
E novamente com aquela paciência de anjo respondeu:”
– Meu filho as palavras só nos atingem se lhe damos grande valor. Não devemos dar valor às palavras e sim ao gestos e atos porque palavras são palavras. Por favor, vá lá e peça desculpas ao garoto. Ele é só um garoto”
O meu coração se encheu de alegria! Jamais esperava uma atitude tão linda e cordata como aquela! Pensei como sou feliz, porque meu pai tinha sido injuriado, ridicularizado por palavras e em vez de se voltar contra o garoto e denunciá-lo ao diretor da escola, ou quem sabe à polícia ou a outras autoridades, sei lá , ele simplesmente ignorou tudo , perdoando o garoto, como se garoto nada tivesse feito.
Então eu pensei, como era maravilhoso esse pai, esse homem, meu herói! As lágrimas começaram a descer dos meus olhos e eu não conseguia contê-las de tanta felicidade.
Meu pai interpretou que eu estava chorando porque não queria pedir desculpas ao garoto e disse:
– Filho peça desculpas. Não se apoquente com isso, por favor!
Atendi plenamente o conselho do meu pai entendo a sua atitude e fui lá pedir desculpas ao garoto. Levantei-o do chão e o abracei pedindo desculpas. Depois vim para meu pai abracei-o pela cintura e disse:”
Papai eu não choro por ter que pedir perdão, eu entendi o senhor. Eu choro de felicidade por saber que tenho um pai maravilhoso, que mesmo injuriado, é capaz de perdoar. O senhor parece até com Jesus Cristo. Ele passou a mão na minha cabeça e disse:
-Você enfrentará pela vida muitas dificuldades, muitas injúrias , assim como eu enfrentei. Mas saiba que não viemos ao mundo para brigar, para agredir para dar valor as palavras que nada valem. Viemos aqui para amar e sermos amado. Essa é a lição que Jesus deixou para todos nós, seja preto, seja amarelo ou seja que for, somos todos sua criação, devemos amar a Deus acima de tudo e ao semelhante como a nós mesmos.”
Por isso nesse Dia da Consciência Negra eu me sinto na qualidade de dizer: Por que que eu nasci branco? Preferia ter nascido assim, como meu pai, com a sua pele escura sua carapinha e esse grande coração de homem que ama seus semelhantes sem distinção de raça.