Meu avô escravizado nasceu num capinzal
Crônica de Ana Maria Fernandes]
Dia desses a pedido da escola de meus sobrinhos, tentamos fazer a nossa árvore genealógica e acabamos descobrindo a história de nascimento do meu avô José . Foi assim:
A charrete sob o trote do cavalo ,engolia a estrada de terra cercada de touceiras de capim, que se confundiam com o pasto , onde o gado era solto ao anoitecer. Sá Manoela ,ou Sinhá, não se preocupava com a distância, porque o negro que conduzia a charrete sabia que tinha de chegar a casa da Fazenda logo. Ao seu lado, a negra, Alice, -a fiel mucama que acompanhava a fazendeira, inclusive para lhe segurar a sombrinha – permanecia quieta abraçando a barriga bem crescida, como que protegendo o bebê que estava dando sinais de chegar. Seu rosto não traía as dores físicas que o trabalho do parto provocava. Sentia sim uma tristeza grande por saber que aquele criança seria só mais um neguinho na senzala, mais um braço no eito, nas colheitas e no manejo da enxada daquela fazenda situada no sul de Minas Gerais.
Chegando á divisa da Fazenda, Sá Manoela, a rica proprietária de terras, achou melhor descer e ir caminhando até a casa grande. Afinal não era longe. A preta Alice desceu com certa dificuldade, porque as pernas se lhe travavam e por isso ficava difícil mudar os passos e também porque sentia lhe escorrer pelas pernas as águas na a criança estivera até então, protegida no útero. A Sinhá vendo que a moça não a acompanhava, virou se pronta para dar lhe uma bronca das boas e deu de cara com a jovem agachada no capim ralo da estrada, Na verdade, a jovem negra estava parindo ali mesmo.
A sinhá, ainda que sem piedade, arrependeu- se de ter trazido a mucama naquele estado, mas já era tarde para isso. Mandou o negro da charrete a toda pressa buscar mãe Rita, a negra parteira da fazenda que cuidava das escravizados nessas horas, e que não demorou quase nada. O negro como foi, veio, e voltou levando a sinhá, deixando Mãe Rita ao lado de Alice. Ficando só as duas ( a parteira e a parturiente), mãe Rita foi ajudando a outra até que a criança nasceu. Era um lindo menino. Mãe Rita apertou a criança, cortou lhe o umbigo e o aqueceu nas saias ainda úmidas da própria mãe, que aos poucos foi se recuperando e devagarinho os três chegaram à senzala, onde Alice pode descansar um pouco e amamentar o menino. Deu lhe o nome de José, que mais tarde casou-se com minha bisavó Ana, que teve minha avó Alexandrina, mãe de minha mãe que também era mestiça cafusa.
Minha avó contava, com orgulho como nesse dia Alice havia sido forte . Ela ainda pode viver ate o advento da Lei Áurea, que libertou os escravizados em 1888. Minha mãe Benedita, negra de mais pele clara, já nasceu livre em agosto de 1911.
Nessas épocas principalmente, em que se celebra Zumbi do Palmares , ou em dias comuns, a gente se lembra do bisavô José que nasceu escravo na beira da estrada nos idos de 1800 antes da libertação da escravatura. Talvez não seja por mero acaso que eu e minha irmã mais velha nos fizemos técnicas de enfermagem e nos dedicamos à enfermagem de obstetrícia
Aninha- 20 de novembro de 2021. Valeu Zumbi!
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