Texto de Joban Antunes
Esta semana, começando no dia 11 de fevereiro e prosseguindo até o dia 18 do mesmo mês, comemora-se o cem anos de Semana da Arte Moderna. No meu tempo de estudante, muito se falava dessa Semana. Os professores se orgulhavam de ensinar nas aulas sobre esse fato marcante na história das artes brasileiras. Na época deste ato heroico cultural o Brasil era um país governado por uma oligarquia ligada ao setor produtor e exportador de café, principal produto econômico brasileiro. Portanto, o nosso país era governado por ricos fazendeiros, principalmente paulistas ou mineiros. Foi o período da política do “Café com leite” e do coronelismo. O começo da década de 1920, foi marcado por significativo avanço da industrialização na cidade de São Paulo, e passou a ser o principal polo econômico e cultural do Brasil, apresentando grande crescimento populacional. Uma emergente burguesia industrial começava a ganhar força na cena política e econômica do Brasil.
Essas mudanças socio-econômica e política se expandiu por todo Brasil , sendo que no Rio de Janeiro. que era a capital do país na época, foi fundado o Partido Comunista Brasileiro e ocorreu a Revolta dos 18 do Forte de Copacabana no Rio de Janeiro, um dos principais episódios do movimentos tenentista, contrários à política oligárquica brasileira. O tenentismo era contra, principalmente, as fraudes eleitorais e as políticas governamentais, que atendiam os interesses econômicos das oligarquias rurais.
Dentro desse cenário em ebulição a arte não poderia ficar de fora e não deixou de sofrer a influência que sempre se destaca nos artistas que, como diz o poeta, “são as antenas do povo”.
O descontentamento com o estilo anterior foi bem mais explorado no campo da literatura, com maior ênfase na poesia. A Semana de Arte Moderna ocorreu no Teatro Municipal de São Paulo, entre os dias11 e 18 de fevereiro de 1922, tendo como objetivo mostrar as novas tendências artísticas. Entre os escritores modernistas destacam-se: Oswald de Andrade, Guilherme de Almeida, Sérgio Milliet e Manuel Bandeira.
Esse movimento trazia uma roupagem nova e contrária ao cenário artístico da época, e à explosão de ideias inovadoras, abolindo por completo “a perfeição estética” que era apreciada naquele século. Os artistas mostravam, com seus trabalhos, sua própria identidade, sua liberdade de expressão, diferenciando-se do modelo europeu tão copiado na época.
Caminhos diferente sem padrões pré-estabelecidos. Mas, como sempre, o que é novo repercute de maneira negativa nas pessoas escravizadas por padrões vigentes, não seria diferente com esse movimento. Logo na abertura, Ronald de Carvalho, ao recitar o poema Os Sapos, escrito por Manuel Bandeira, foi desaprovado pela plateia através de muitas vaias e gritos.
No dia 17 de fevereiro, Villa-Lobos fez uma apresentação musical. Entrou no palco calçando num pé um sapato e em outro um chinelo. O público vaiou, pois considerou a atitude futurista e desrespeitosa. Essa nova forma de expressão e atitudes, não foi compreendida pela elite paulista, que era influenciada pelas formas estéticas europeias mais conservadoras. Depois, foi esclarecido que Villa-Lobos entrou desta forma, pois estava com um calo no pé. O idealizador deste evento artístico e cultural foi o pintor Di Cavalcanti. Participaram desse movimento os escritores: Mario de Andrade, Oswald de Andrade, Plínio Salgado, Menotti Del Picchia, Sérgio Milliet, Ronald de Carvalho, Manuel Bandeira entre outros. Nas artes plásticas: Anita Malfatti, Di Cavalcanti entre outros. Na música tivemos os músicos: Heitor Villa-Lobos, Guiomar Novais, Frutuoso Viana, Ernâni Braga.
Todo novo movimento artístico é uma ruptura com os padrões utilizados pelo anterior, isto vale para todas as formas de expressão, seja ela através da pintura, da literatura, da escultura, da música, etc. Ocorre que nem sempre o novo é bem aceito.
Embora tenha sido alvo de muitas críticas, a “Semana de Arte Moderna” só foi adquirir sua real importância ao inserir suas ideias ao longo do tempo. O movimento modernista continuou a expandir-se, propagado através da Revista Antropofágica e da Revista Klaxon, e pelos seguintes movimentos: Movimento Pau-Brasil, Grupo da Anta, Verde-Amarelismo e pelo Movimento Antropofágico.
Esse movimento motivou muitas mudanças no cenário artísticos brasileiros, servindo de modelo para as insatisfações dos artistas e do povo. Por isso, depois de cem anos desse acontecimento que muitos só acompanharam nas carteiras das escolas, nas reportagens do rádio e da televisão, nos motiva a procurar sempre renovar e fazer o melhor de nós, mesmo lutando contra a dominação dos poderosos e procurando a nossa liberdade de expressão com o nosso trabalho e escolhas daquilo que queremos para o melhor do país.
Um poema síntese da Semana
Um dos poemas mais marcantes dessa Semana é o seguinte, de autoria de um dos líderes movimento, Manuel Bandeira:
Poética
Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto espediente protocolo e manifestações de apreço ao sr. diretor.
Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário o cunho vernáculo de um vocábulo.
Abaixo os puristas.
Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis
Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora de si mesmo.
De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de co-senos secretário do amante exemplar com cem modelos de cartas e as diferentes maneiras de agradar & agraves mulheres, etc.
Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbados
O lirismo difícil e pungente dos bêbados
O lirismo dos clowns de Shakespeare.
– Não quero saber do lirismo que não é libertação.
Manuel Bandeira BANDEIRA, M. Poesia completa e prosa. Rio de janeiro: José Aguilar, 1974.