A Crônica do Marcus Ozores
DIÁRIO DE PINDORAMA
Diário de Pindorama, quarta feira, dia 30 de março do ano emperrado de 2022 e continuo aqui – apesar da chuva – com o ‘Só a poesia nos Salvará’.
Hoje me despeço de Manaus depois de quase três semanas e vou embora como cheguei, debaixo de chuva torrencial e esse ano as enchentes podem bater novo recorde e a imensidão do Negro já começa a invadir lentamente o centro urbano e deverá ultrapassar a marca histórica dos 30 metros, registrado ano passado.
Aqui, na terra do Cupuaçu e do Tambaqui, tudo é grande e farto e uma natureza exuberante quando você foi na periferia na cidade. a alma dos homens, contudo, são as mesmas, como em qualquer outro lugar desses tristes trópicos.
Num canal local de televisão, que ganhou projeção nacional pela violência, os pobres, negros e esquecidos pelo Estado, são mostrados como produtos de açougue e até o capitão já esteve presente no auditório dessa loja de horrores para sorrir, ao lado do apresentador – um misto pobre de Chacrinha e Homem do Sapato Branco – para rir e dizer que naquele dia – que visitava a emissora de televisão – várias ‘marginais’ tinham tido o CPF Cancelado, linguajar chulo usado pelas milícias cariocas quando se referem aos suspeitos assassinados ou mortos em confronto com os ‘ditos homens da lei’.
Mas no meio dessa floresta estonteante , nasceu no dia de hoje – há 96 anos – o poeta Thiago de Melo que nos deixou no dia 14 de janeiro do ano corrente. Thiago de Melo foi preso e perseguido pela ditadura militar de 1964, exilou-se no Chile, foi amigo de Neruda e viajou mundo.
Em 21 de novembro de 1965 Thiago de Melo escreveu o poema ‘Iniciação do Prisioneiro’ numa cela do Quartel da Polícia do Exército, no Rio de Janeiro, ao qual o autor foi recolhido por haver participado de uma manifestação contra a ditadura, em frente ao Hotel Glória, no instante mesmo em que ali chegava o ditador para inaugurar a Conferência da OEA. Desse protesto participaram, entre outros, os companheiros Antônio Callado, Jayme de Azevedo Rodrigues, Carlos Heitor Cony, Márcio Moreira Alves, Flávio Rangel, Glauber Rocha, Joaquim Pedro de Andrade e Mário Carneiro, todo
s eles presos — e aos quais é dedicado este poema.
Dedico a leitura do poema a seguir, ao meu amigo Reinaldo Pontes., e Campinas, leitor apaixonado de Thiago de Melo de quem foi amigo pessoal e editor de um ou dois livros. Sei que hoje haverá homenagem e leitura de poemas de Thiago de Melo na sede da Editora Pontes, na rua Dr. Quirino no centro de Campinas.
INICIAÇÃO DE PRISIONEIRO
É preciso que Amor seja a primeira
palavra a ser gravada nesta cela.
Para servir-me agora e companheira
seja amanhã de quem precise dela.
Não sei o que vai vir, mas se desprende
dessa palavra tanta claridão,
que com poder de povo me defende
e me mantém erguido o coração.
No muro sujo, Amor é uma alegria
que ninguém sabe, livre e luminosa
como as lanças de sol da rebeldia,
que é amor, é brasa e de repente é rosa.
Publicado no livro Faz Escuro Mas Eu Canto. A Canção do Amor Armado (de 1966).
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