Diário de Pindorama
Texto vídeo e apresentação de Marcus Ozores
Diário de Pindorama, sábado dia 02 de abril, daquele ano, vocês sabem, aquele ano que terá eleições em outubro para escolha do novo presidente da República.
Aqui no País do Faz de Contas vivemos o 2022, mas bem que poderíamos parodiar o filme de Roberto Rosselini, de 1948, Alemanha, ano zero. 2022 ou 1948 pouco importa agora e por isso continuo na lida com o ‘Só a poesia nos Salvará’.
E quando falei em parodiar Rosselini , a ideia me veio a cabeça após assistir, hoje de manhã, a um trecho do discurso do capitão ontem, à portas fechadas, na posse dos novos ministros. O capitão, aquele que ocupa do trono, mas que há 30 anos colocou bombas nos quartéis para exigir aumento salarial dos militares. Sim, esse mesmo capitão que foi aposentado à bem do serviço público, aos 33 anos, e hoje responde pela rotina do Planalto, afirmou ontem que os juízes do Supremo deveriam calar a boca e que ele é quem decidirá o resultado da eleição presidencial esse ano.
O Capitão – e seus asseclas de verde oliva – estão muito aquém dos seus colegas de farda que, em 1889, proclamaram a República, no País do Faz de contas. “A história, no golpe de 1964 repetiu, a primeira vez como tragédia, e a segunda, como anuncia o capitão, agora para o ano corrente , prenuncia uma grande farsa.” Na leitura do velho barbudo.
Por isso nesse domingo chuvoso da Sampa Desvairada , busco nos meus arquivos da memória um poema de Ferreira Gullar que retratou perfeitamente a história como tragédia após o golpe de 64;
O poema de Ferreira Gullar tem o sugestivo título de:
MAIO 1964
Na leiteria a tarde se reparte
em iogurtes, coalhadas, copos
de leite
e no meu espelho meu rosto. São
quatro horas da tarde, em maio.
Tenho 33 anos e uma gastrite. Amo
a vida
que é cheia de crianças, de flores
e mulheres, a vida,
esse direito de estar no mundo,
ter dois pés e mãos, uma cara
e a fome de tudo, a esperança.
Esse direito de todos
que nenhum ato
institucional ou constitucional
pode cassar ou legar.
Mas quantos amigos presos!
quantos em cárceres escuros
onde a tarde fede a urina e terror.