Crônica de Joban Antunes
Estavam todos reunidos no Armazém do seu Maciel, na praia da Enseada, tomando sua cachacinha de fim de tarde, e comendo seu pão com mortadela, e o assunto era a abertura da estrada Caraguá -Ubatuba.
Naquele tempo , só havia uma trilha íngreme, onde só transitavam cavalo ou carroça. Finalmente, ela seria aberta para os automóveis, ônibus e caminhões. Professor Hildefonso que dava aula na escola rural do bairro da Enseada e passara no armazém para tomar uma bebida depois das aulas, ouvindo a conversa disse:
– Por falar em não ter estrada, tem um causo muito peculiar que aconteceu por causa disso – disse o professor Hildefonso – vocês querem que eu conte?
– Conta sim fessô Hirdefonso, – disse Vitalino – o sinhô conta causos que é uma belezura.
– Eu conto, mas posso molhar a goela com essa “consertada” para poder contar?
– Pode sim fessô, essa pinga é de todos , fique à vontade – disse o Paxá e serviu em uma caneca de esmalte ao Professor que tomou um gole caprichado.
– Então, como eu ia dizendo sobre o fato de não ter estrada ter causado uma história peculiar…
– Vosmicê vai contar estória de boi ou de estrada? – Interrompeu Vitalino.
– Pruquê vancê acha que é de boi? – Perguntou o Paxá.
– Ara, pruquê ele disse pecuária e pecuária não é criação de boi?
– Desculpa, Seu Valentino, mas o senhor entendeu mal. Eu não disse pecuária, eu falei “peculiar”. Sabe o que significa? – Perguntou o professor Hildefonso – Pois eu digo. Peculiar quer dizer, diferente, estranho fora do normal, engraçado, que é próprio de um acontecimento diferente…
– Dando aula para esses “anarfas”, Professor Hildefonso? Perde seu tempo não – disse seu Maciel.
– Não estava ensinando lição nenhuma, apenas contando uma história que aconteceu na Maranduba, – ponderou o professor.
– Então como eu ia dizendo quando fui interrompido pelo Seu Vitalino… onde eu estava mesmo?
– Explicando o que era pecuária, que não era de boi, mas de causo diferente – falou Pituca Baré querendo ajudar
– Não é nada disso – interveio Salustiano – ele explicou sobre peculiar não pecuária.
– Calma pessoal – falou o professor – Eu me lembrei… como eu ia dizendo, lá no bairro da Maranduba onde essa história aconteceu, o Pacheco cuidava de um bananal enorme, com muitos de pés de bananas, que cobria quase todo o bairro da Maranduba, indo até o Sertão da Quina. Ele mandava seus produtos para Santos, bananas que o barco vinha pegar em um píer que ele construiu no caminho que vai para a praia do Pulso e da Caçandoca. Mas para ele levar as bananas até o píer dava quase quatro quilômetros de extensão e então era preciso levar em jacás sobre o lombo de burros e isso era muito dispendioso e precisava de muitos trabalhadores para fazerem o transporte, por isso ele foi buscar em Santos uma camionete pra fazer o serviço e que foi trazida por um barco.
Com a caminhonete, a pedido de Dona Maria Balio – líder da Maranduba, seu Pacheco criou também um transporte de passageiro entre Maranduba e Caraguatatuba
Tempos depois o delegado de Ubatuba, que era conhecido popularmente por Pregafogo, sabendo da existência da camionete na Maranduba, mandou um soldado a cavalo levar uma intimação para o seu Pacheco para que ele levasse o carro para licenciar em Ubatuba. Quando ele leu a intimação que lhe era enviada, não perdeu tempo, escreveu uma carta ao delegado colocando dentro de um envelope e escreveu no envelope: “Para o doutor delegado Pregafogo, em mãos”.
Sucedeu que, quando o delegado recebeu o envelope com seu apelido escrito, ficou muito bronqueado porque detestava o apelido dado pelo povo do lugar e disse:
– Eu vou prender esse sujeito desaforado, quem ele pensa que é para me chamar de Juca Pregafogo, prega fogo é a sua santa mãezinha. Vou mandar prender esse cara por desacato a autoridade e jogar fora a chave da cela, vocês vão ver só.
Abriu o envelope, tirou o papel que estava dentro dele e leu o que estava escrito. Enquanto lia , seu rosto ia ficando vermelho de raiva. O soldado que trouxera a carta ficou ainda mais curioso, se o delegado ficara bravo com o apelido, agora estava mais bravo ainda com o que estava escrito no papel que ele lia, curioso perguntou:
– Doutô , o que o sujeito escrevinhou que o sinhô tá brabo pra burro?
– O que está escrito… – O delegado ficou matutando se deveria dizer ou não do conteúdo da carta , pois aquele soldado, o ” Língua-de-trapo”, era o maior fofoqueiro da cidade. Se ele contasse o que continha a carta, ele seria motivo de chacota de toda a cidade; seria desmoralizado. Melhor seria fazer “boca de siri” como dizem os caiçaras e inventar alguma coisa que não revelasse o teor da missiva, salvaguardando a sua imagem de delegado correto, que ele achava que ainda tinha – O que está escrito? Nada demais, ele mandou dizer que quando puder, manda a camionete para licenciar.
Língua-de-trapo, o soldado, coçou a carapinha descrente da afirmação do delegado e contemporizou:
– Mas seu Doutô, o sinhô ficô fulo de raiva quando leu a carta que inté ficou vremeiô como um camarão, como pode explicá que só tenha isso escrito?
– Esse soldado está ficando intrometido demais! Está perdendo o medo de mim, tenho que por ele na linha.
– Você está me chamando de mentiroso, é isso? Eu fiquei bravo porque ele me chamou de Pregafogo, não pela carta, você toma jeito ou eu te ponho uma semana no xadrez a pão e água, e vai ver se caça alguém pra prender antes que eu te prenda.
O professor deu mais uma parada e tomou mais uma talagada de “consertada”, e o pessoal reclamou:
– Cadê o causo engraçado? Que graça o delegado fica bravo por ser chamado de Pregafogo? Tô vendo que vancê não sabe contá causo não… – desabafou Vitalino.
– Afinal o que estava escrito na carta? – Reclamou também o seu Maciel – Perdi meu tempo precioso para ouvir o senhor contar a história Professor, e, só nos deixou no suspense, o que tinha escrito na carta que deixou o delegado nervoso e irritado? Me diga ou o senhor também não sabe?
– Calma gente, vocês sabem que eu sou professor não contador de história. – Contemporizou o mesmo – o engraçado da história está na resposta dado pelo seu Pacheco ao delegado. Vocês querem mesmo saber o que tinha na carta?
– Queremos sim! – Gritaram quase todos em uníssono.
– Bem, voltando lá no momento que o delegado abriu o envelope e leu a carta – disse o professor – ele viu o que estava escrito.
– E o que estava escrito? – Gritaram todos novamente ansioso para saberem o surpreendente teor da missiva.
– Estava escrito assim:
“Doutor Senhor Delegado , o qual conheço por Pregafogo, não sei o motivo desse apelido, mas, como bom cidadão cumpridor das lei, me comprometo a levar o meu automóvel para licenciar. Só que espero um favor do senhor. O senhor constrói a estrada Maranduba à Ubatuba e eu levo a camionete, agora se o senhor não puder esperar, venha aqui e recolha o automóvel para o pátio da delegacia. Meus agradecimentos e consideração.” Todos riram e aplaudiram a história do professor Hildefonso.
– Mas só mais uma pergunta professor, – interpelou João Vitório – se o delegado não contou para o soldado com medo de se espalhar a notícia, logicamente ele não contou pra mais ninguém, como o senhor ficou sabendo então?
– Ora seu Maciel, o delegado é casado e todo homem confia em suas mulheres, não é?
– O sinhô Professô qué dizê que ele contô pra muié dele e ela espaiou o acontecido? Voismicê está nos chamando de fofoqueiras? – Disse Dona Tertuliana que tinha vindo comprar pó de de café e ficou ouvindo a história.
– Não é nada disso Dona Tertuliana. – Se defendeu o professor preocupado com o que acabara de dizer e consertou no ato mudando a história – A senhora me interrompeu antes que eu concluísse a minha explicação. Como eu ia dizendo, os maridos confiam em suas mulheres, e o delegado também confiava na sua esposa a Dona Eva Enoy, e quando ela foi à delegacia levar seu almoço, no plantão, ele mostrou a carta a ela que leu o que estava escrito em voz alta, e aquele soldado que tinha entregado a carta, o “Língua-de-Trapo”, que estava atrás da porta ouvindo tudo, espalhou a notícia e foi assim que eu fiquei sabendo de tudo.
– Ah! Bão! O sinhô Fessô Hirdefonso não tá mudando a história não, tá?
– Claro que não Dona Tertuliana, eu jamais mudo uma história. Ela é que se muda sozinha – riu
Todos caíram na gargalhada entendendo que o professor tinha se saído bem da armadilha de Dona Tertuliana.
Leia outro causo de Joban ” O Peixe gigante de tião Manquinho no no linkhttps://editora.cancioneirocaicara.com.br/?s=Tiao+Manquinho