Diário do Fim do Mundo
Texto, vídeo e apresentação de Marcus Vinicius Ozores
Diário do Fim do Mundo, dia 20 de abril, quarta feira do ano de são nunca de 2022 e falo diretamente da minha República Livre Anarquista dos Tupinambás de Barequeçaba lançando granadas civilizatórias do ‘Só a poesia nos Salvará’ da onda de ignorância que assola as Terras de Pindorama.
Meus amigos e amigas virtuais me desculpem, mas ainda estou com uma coisa cafifando meu cérebro. É sobre a arrogância que o presidente do Superior Tribunal Militar se referiu ontem às denuncias que apontam áudios do STM, na década de 1970, onde se ouvem os ministros militares apoiarem as sessões de torturas praticas nas prisões dos DOI-CODI.
Esse general, Luis Carlos Gomes de Mattos, disse em ontem que as denúncias não atrapalharam em nada seu almoço de Páscoa e ironizou para seus colegas do STM e que eles não tinham nenhuma resposta para explicar como os prisioneiros sob custódia do Estado foram seviciados nas masmorras da ditadura.
Isso me fez pensar na falsidade dessa gente que se diz cristã. Afinal foi o martírio e a tortura pública de Jesus, seu assassinado na cruz, e a sua ressureição três dias após, o símbolo máximo do cristianismo. Páscoa é Renascimento, é tempo de refazer a vida. Como que uma religião que tem como símbolo máximo o martírio e tortura de Jesus, tem entre seus seguidores, generais que riem da tortura de pessoas nuas em celas escuras dos porões desse país.
Não discuto aqui e não é mérito dessa discussão, se o preso cometeu crime ou não, mas sim, que após ser preso, o Estado que o custodia não pode se transformar no executor de tortura, para tanto existe advogados, juízes e tribunais. A mesma situação se aplica a um soldado preso em um campo de batalha. Existe a convenção de Genebra que garante o mínimo dos direitos civis a esse soldado e a tortura é condenada como a forma mais vil do ser humano.
Por isso vou ler novamente aqui nesse espaço outro poema de Alex Polari que foi preso aos 20 anos e foi colega de cela de Stuart Angel, brutalmente assassinado pelos seus algozes, com requintes de perversidade e seu corpo desaparecido até hoje.
O poema de Alex Polari que vou ler tem como título:
OS PRIMEIROS TEMPOS DA TORTURA
Não era mole aqueles dias
de percorrer de capuz
a distância da cela
à câmara de tortura
e nela ser capaz de dar urros
tão feios como nunca ouvi.
Havia dias que as piruetas no pau-de-arara
pareciam ridículas e humilhantes
e nus, ainda éramos capazes de corar
ante as piadas sádicas dos carrascos.
Havia dias em que todas as perspectivas
eram prá lá de negras
e todas as expectativas
se resumiam à esperança algo cética
de não tomar porradas nem choques elétricos.
Havia outros momentos
em que as horas se consumiam
à espera do ferrolho da porta que conduzia
às mãos dos especialistas
em nossa agonia.
Houve ainda períodos
em que a única preocupação possível
era ter papel higiênico
comer alguma coisa com algum talher
saber o nome do carcereiro de dia
ficar na expectativa da primeira visita
o que valia como um aval da vida
um carimbo de sobrevivente
e um status de prisioneiro político.
Depois a situação foi melhorando
e foi possível até sofrer
ter angústia, ler
amar, ter ciúmes
e todas essas outras bobagens amenas
que aí fora reputamos
como experiências cruciais.