Acolhimento caiçara: histórias reais de hospitalidade no litoral paulista
Um retrato sensível da cultura caiçara e da forma como recebe quem chega com carinho e partilha.

Nesta semana tão importante para a História do Brasil, em que criminosos perpetradores contra a nossa Democracia estão sendo julgados no Supremo Tribunal Federal, resolvi escrever sobre um tema mais leve, mas igualmente caro ao meu coração: o acolhimento terno e sincero do povo caiçara.
Meus primeiros passos em São Sebastião
Desde que cheguei a São Sebastião, em 1962, acompanhando meu marido que fazia parte da equipe de para-médicos responsável por colocar em funcionamento o Hospital de Clínicas, sempre me emocionou a forma como fomos recebidos com carinho e atenção pela população local.
E não foi somente nesse episódio. Ao longo dos anos tive inúmeras oportunidades de presenciar a generosidade caiçara.
Lembro-me, por exemplo, de uma viagem com amigas a Ubatuba para participar de um debate. Na volta, já tarde da noite, nosso carro “empacou como mula teimosa”. O trânsito era quase inexistente naquela estrada deserta, e ninguém aparecia para nos ajudar. Uma de nós, mais tímida e medrosa, começou a chorar, temendo pelo perigo de estarmos ali sozinhas.
Para acalmá-la, batemos na porta de uma casa simples, construída à beira da estrada. Acordamos todos: pais, uma senhora idosa e as crianças. Ainda assim, eles nos acolheram sem hesitar. Aceitaram que nossa amiga ficasse ali durante a madrugada, e ninguém a deixou sozinha. Quando voltamos pela manhã, encontramos a família inteira sentada com ela na pequena sala, alguns no chão, mantendo companhia até que a ajuda chegasse.
Quantas vezes também batiam à minha porta trazendo presentes — um peixe, uma fruta, sempre dados com carinho. São lembranças que não se apagam.
No tempo em que trabalhei como repórter, andando por essas terras e ilhas, cheguei a ficar envergonhada com tamanha hospitalidade. A melhor cama da casa era sempre oferecida para que eu descansasse; a comida, farta ou não, era invariavelmente partilhada.
Não é à toa que o poeta santista Martins Fontes, cantando em sua Canção Caiçara, descreveu tão bem essa alma generosa:
“Sem saber teu nome dou-te meu afeto
E no comunismo do meu pobre teto
A farinha é tua, todo peixe é teu.”
Esse espírito de acolhimento é a marca mais bonita do povo caiçara: abrir a porta, oferecer o que tem e repartir a vida com quem chega.
Arte de Capa Rubens Negrini Pastorelli