Coluna da Raquel SalgadoDestaques do Banner

Nalva Barbosa uma sergipana arretada que ama e agita Ubatuba

Por Raquel Salgado

Mistura de índios Tapuia com portugueses e holandeses, Nalva Barbosa saiu com apenas 14 anos de sua terra natal, o pequeno município de Simão Dias, sertão de Sergipe, divisa com Bahia. Deixou a família para trabalhar e estudar em Salvador.
Acolhida em Salvador pela tia Alice, irmã de seu pai Brasílio, pode fazer Arte Educação e, já em Ubatuba, se formou em Pedagogia pela Unitau – Universidade de Taubaté. Ainda em Salvador, conheceu e se casou com o paulista Paulo Bento, o Paulinho da flauta e do saxofone. Ficaram juntos por 40 anos e tiveram 2 filhos, Tainá e Rafael. Ainda hoje  ela chora sua morte em 2012.
Nalva Barbosa

Opressão

Desde a infância, esta mulher baixinha e extremamente amorosa, esteve de frente com a opressão. Ainda pequena viu o povo sofrer na dependência da política criada pela SUDENE – Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste. 
“Era a indústria da seca, o domínio das águas”, conta ela. “Eles construíam os açudes nas terras dos fazendeiros ricos para que depois o povo pobre pagasse o benefício com seu voto”.
Aos 31 anos, já na década de 80, veio com o marido para a Fazenda Pau D’alho, entre os municípios de Areiópolis e São Manoel, interior de São Paulo, onde o sogro, Luiz Fairbanks Barbosa, comprou a sede e parte da fazenda para cultivar café.

Danças brasileiras para  os adolescentes de Areiópolis

Ali, no centro comunitário de Areiópolis, ela montou um grupo de danças brasileiras com os adolescentes da cidade.
“Eram as terras do Barão, a fazenda e a estrada do Barão…ali vivemos sufocados pela monocultura da cana de açúcar que usava muito veneno. As pulverizações com agrotóxico eram constantes e, por isto, acabamos desistindo do sítio…mas isto fortaleceu meu amor pelas florestas”, lembra.
Mudaram-se então para Paraty/RJ e foram morar na Ilha das Cobras, onde montou uma academia de Danças Brasileiras. Na época, Ilha das Cobras era uma periferia abandonada, em processo de favelização. Ali se amontoavam os caiçaras expulsos por grandes empreendimentos instalados na região, como a White Martins Oxigênio, que compravam todas as terras, de olho na especulação imobiliária que se abateu sobre este litoral com a abertura da rodovia Rio-Santos.

A Luta pelos caiçaras de Paraty 

Caso do riquíssimo Condomínio Laranjeiras, onde os caiçaras, antigos donos daquela praia, hoje vivem cercados no pé da serra e são a mão de obra usada no condomínio – faxineiras, cozinheiras, jardineiros, pedreiros, etc…
Num movimento histórico contrário, na vizinha praia da Trindade, os caiçaras resistiram, lutaram para permanecer em suas terras, e hoje são donos de pousadas e restaurantes, mandam os filhos para as universidades e passam férias na Europa…

Dalva adora a convivência com o povo caicara

A militância e o restaurante em Ubatuba

No início dos anos 90, finalmente o casal chegou em Ubatuba, onde montou o restaurante “O Flautista”, no bairro do Itaguá. É nesta casa, agora transformada numa pousada com 12 suítes, que Nalva ainda mora e onde nos recebeu.

O Flautista era o seu marido
Hoje com 72 anos, Nalva se desdobra para dar conta dos inúmeros movimentos sociais e políticos onde atua. Ela conta que lecionou Artes por mais de 30 anos, 15 deles na Cooperativa Educacional de Ubatuba, trabalhando com cerâmica, aquarela e papel machê.

Agitação na FUNDART 

Foi Coordenadora de Projetos Culturais na Fundart – Fundação de Arte e Cultura de Ubatuba, como o “Cultura na Praça” que desde 98 promove eventos culturais nas praças da cidade, especialmente em frente ao Sobradão do Porto, símbolo da cidade e último patrimônio histórico e arquitetônico que restou na cidade.
Ainda na Fundart foi Coordenadora da Mulher (2005/7), Diretora de Cultura e vice de vários presidentes da fundação (2012/16).
No movimento social, fundou o Instituto da Árvore, com Lucrécia Abbatepaulo, Márcio Lucas e o apoio do professor Rui Grilo e do casal Maurício e Dora, que cederam uma área em comodato onde o instituto trabalha na produção de mudas nativas. Hoje o instituto é presidido por Nadir Moraes e Nalva é conselheira.
Herança de sua bisavó indígena, D. Felismina, com quem conviveu muito, Nalva ama as ervas e plantas medicinais, a argila e as panelas de barro.

Nalva e seu povo, os Tapuia  

“Hoje os Tapuia de Sergipe não vivem mais em aldeias. Suas terras viraram bairro com pequenos sítios, mas eles mantém a tradição das garrafadas, dos remédios caseiros, das panelas e brinquedos de barro. “Minha bisavó tinha a cura nas mãos”, relembra.
Fundou ainda a Sapouba – Sociedade de Apoio ao Paciente com Câncer, junto com Mônica Ciari e Domingos Fábio dos Santos, vice-prefeito na época.

Nalva Barbosa tem intimidade com a mata
Nalva Barbosa tem intimidade com a mata

E também o Coletivo Amaduba – Associação de Mulheres Afrodescendentes, que tem transformado a data de 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, numa grande festa de incentivo à culinária, danças, cantos e arte do Povo Preto, esta África Brasileira…

Economia solidária e Mulheres  

Nalva relata que sempre procurou trabalhar com mulheres. “É preciso empoderá-las para que tenham independência financeira”, diz. Por isto lutou para que a economia solidária se tornasse uma política pública em Ubatuba. “Estamos nos organizando para termos nosso espaço. É preciso trabalhar o reaproveitamento de materiais, como os retalhos de tecido e os oriundos da terra, como folhas, argila e a cestaria. Temos que incentivar a bioarte”, afirma.

Mulheres empoderadas

Membra do Diretório Municipal do PT – Partido dos Trabalhadores e militante da Marcha Mundial das Mulheres, Nalva festeja o envio de um grupo com mais de 20 mulheres do litoral para participar da Marcha das Margaridas, evento realizado em Brasília, em agosto/2023.

A Política em Ubatuba atualmente 

Na política, ela lamenta o impeachment da prefeita Flávia Pascoal (PL), em maio de 2023.
“Nunca falei mal dela por ter sido a primeira mulher na prefeitura, num município onde 52% da população é de mulheres. Eleita com todo apoio do professorado, é muito triste que não tenha conseguido terminar seu mandato”, afirma.
Lamenta ainda a atuação da prefeitura nas áreas de ocupação, como a rua Ômega, no bairro Sesmarias, onde 130 famílias estão ameaçadas de despejo e uma casa já foi demolida.
“Temos um déficit absurdo de moradias e a violência, agravada pelo tráfico de drogas, é grande na periferia de Ubatuba”, diz Nalva.

“Pobreza extrema, a falta de saneamento e a violência matam mais que Deus”

Com uma irmã morando a 43 anos na Suiça, ela conta que, de suas andanças pelo mundo – já viajou pela Áustria, Grécia e Itália – o que mais a impressionou foi a longevidade da população lá fora.
“O trabalho exaustivo, a fome e pobreza extrema, a falta de saneamento e a violência matam mais que Deus… não adianta dizer que Deus quis levar… daí minha preocupação com trabalho e renda para as mulheres, para que não sejam dependentes dos maridos”, reflete.
Por fim, Promotora Legal Popular, Nalva teve que interromper a entrevista para intermediar, por telefone, com sua generosa amorosidade, a briga de um casal que pegava fogo e ameaçavam ir às vias de fato…

Leia mais de Raquel SalgadoSão Sebastião : João Siqueira é homenageado pela Câmara

Raquel Salgado

Raquel Salgado é jornalista profissional formada pela FAAP , com passagem por grandes jornais da imprensa brasileira como Folha de São Paulo e outros e também em jornais Regionais como O Valeparaibano e Imprensa Livre ( extintos). Foi Secretária de Comunicação da Prefeitura de São Sebastião na gestão de João Siqueira de 1997 a 2002 e conhece profundamente o litoral norte e suas demandas, inclusive por já ter morado nas 4 cidades da região. Tem forte atuação principalmente no Jornalismo Ambiental .

Artigos relacionados

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo