Do Labirinto dos Mortos à Biblioteca Misteriosa: A Verdade Chocante Por Trás da Cidade que o Tempo Esqueceu
Um Diário de Viagem Pelas Ruínas e Histórias de Uma Cidade Que Resistiu ao Tempo

Diários do Egito
30 de maio – Alexandria
Hoje foi meu segundo dia de permanência em Alexandria, essa cidade projetada por Alexandre, o Grande, mas que não sobrou quase nada do período ptolomaico de dominação grega e dos romanos, depois do ano 30 a.C. São muito poucos os vestígios dessa época ainda existentes. Alexandria é uma cidade, segundo o guia local, com mais de 10 milhões de habitantes que se espalha à beira do Mediterrâneo com suas águas azuis.
Alexandria, que os turistas visitam hoje, é uma cidade de arquitetura inglesa, na parte central onde estou hospedado, que lembra edifícios do final do século XIX e começo do XX. Os demais prédios são uma miscelânea de estilos que não dá conta para ser anotado. O trânsito é a mesma loucura que no Cairo, onde os pedestres disputam espaço para atravessar a rua com todo tipo de bólidos movidos a combustível fóssil.
Explorando a Alexandria Antiga
Mas hoje o dia foi para visitar os vestígios do que sobrou da Alexandria antiga. O primeiro lugar que visitamos foram as catacumbas greco-romanas, que fazem parte de um sítio arqueológico descoberto em 28 de setembro de 1900, por mero acaso.
Dizem que um camponês atravessava a região com sua carroça, puxada por um jumento, quando, em determinado momento, o animal teve metade do seu corpo tragado para dentro de um buraco. Era o teto de parte do complexo das catacumbas, e assim foi descoberto esse labirinto de três andares subterrâneos.
Para entrar nas catacumbas, você desce por uma escada em caracol que circunda um poço, usado para abaixar os cadáveres para os andares subterrâneos. Na parte inferior, o corpo era arrastado para ser sepultado. Hoje não há mais restos humanos – como se pode observar nas catacumbas na Via Ápia, em Roma –, mas restam os vestígios de esculturas que compreendem do século I até o IV na nossa era, período em que as catacumbas foram usadas para sepultar os defuntos de gregos e romanos que viviam por aqui.
Uma das partes mais assustadoras das catacumbas é o chamado Hall de Caracala. Segundo a tradição, esta é uma câmara para os homens e os animais que foram massacrados por ordem do Imperador Caracala.
A Coluna de Pompeu e o Serapeu
A segunda parte da visita foi para ver a Coluna de Pompeu, que fica em outro sítio arqueológico próximo das catacumbas, no local onde se encontrava, na Antiguidade, o templo do Serapeu. É uma coluna feita de granito vermelho de Assuã, e é a maior deste tipo erigida fora das capitais imperiais de Roma e Constantinopla.
O nome dado à coluna é devido à crença dos cruzados de que assinalava o lugar onde fora enterrado Pompeu, assassinado em 48 a.C. pelo irmão e esposo da célebre Cleópatra, Ptolomeu XIII, que apresentou a cabeça de Pompeu a César como um grande triunfo. Dizem por aqui que Pompeu foi sacrificado porque se recusou a enviar os grãos do Egito para Roma num ano em que a safra teria sido de baixa produtividade.
A lenda conta que as cinzas de Pompeu foram colocadas no alto da coluna para que fossem espalhadas pelo vento sobre terras egípcias. O divertido é ver turistas do mundo inteiro se fotografarem entre as ruínas. Tive à frente da lente do meu poderoso celular um grupo de asiáticas que fotografavam uma modelo posando como uma Cleópatra moderna.
Passeio pela Cidade e a Beira-Mar
Saindo desse sítio arqueológico, atravessamos a cidade de Alexandria, passando por várias ruas de comércio durante todo o trajeto e enfrentando trânsito complicado, como é usual por aqui. Fotografei os últimos bondes em atividade em Alexandria, que cruzam toda a área central da cidade.
Ao chegarmos à grande avenida beira-mar que circunda toda a baía de Alexandria, se você se postar no centro dessa avenida, a 26 de Julho, e estiver olhando defronte para o Mediterrâneo, no final da baía, do lado esquerdo está a Cidadela de Qaitbay, construída por ordens do sultão Al-Ashraf Sayf al-Din Qa’it Bay em 1477 (ano 882 no calendário islâmico). No final da baía, à sua esquerda, está o prédio da Nova Biblioteca de Alexandria.
A cidadela foi erguida no lado norte da ponta da Ilha do Farol, no porto leste da cidade. Ela foi construída onde antes ficava o Farol de Alexandria, tragado para o fundo do mar depois do terremoto de 1393. Parte da estrutura do Farol foi usada para erguer a Cidadela.
Passeamos ao redor da Cidadela, onde os pescadores se distribuem, entre as pedras de arrimo, para jogarem seus anzóis ao mar.
São centenas de pescadores repetindo o mesmo gesto há quase dois mil e quinhentos anos. Um passeio por um istmo leva o turista até quase o meio da baía, de onde se deve ter uma visão espetacular da cidade. Desta vez, dispensei o passeio por ser muito longo, e o sol, de quase meio-dia, já deixava a temperatura bem quente.
A Nova Biblioteca de Alexandria
Saímos da Cidadela e atravessamos toda a baía, chegando à Nova Biblioteca de Alexandria, que estava fechada porque hoje é sexta-feira, o dia santo para os muçulmanos, assim como o domingo é para os cristãos.
Inaugurada em meados de 2002, a Nova Biblioteca de Alexandria foi projetada por um jovem escritório de arquitetura norueguês chamado Snøhetta, que trouxe do passado a ideia de criar um grande centro cultural para a humanidade. A repaginação da obra, considerada uma das sete maravilhas do mundo antigo, destaca-se não apenas pela história e iniciativa, mas por seu belíssimo design. Infelizmente, as portas estavam cerradas, e os turistas não puderam entrar.
A Biblioteca de Alexandria foi uma das mais significativas e célebres bibliotecas e um dos maiores centros de produção do conhecimento na Antiguidade. Estabelecida durante o século III a.C. no complexo palaciano da cidade de Alexandria, no Reino Ptolemaico do Antigo Egito, a Biblioteca fazia parte de uma instituição de pesquisa chamada Mouseion.
A antiga Biblioteca foi queimada duas vezes: uma acidentalmente por Júlio César, no ano 30 a.C., e outra no século seguinte pelos cristãos coptas. Além da biblioteca, intelectuais de várias áreas do conhecimento davam aulas no local para alunos vindos de vários países do Oriente Médio.
Uma dessas professoras era Hipátia de Alexandria, uma das mais respeitadas matemáticas da sua época. O seu fim trágico se desenhou a partir de 412, quando Cirilo foi nomeado Patriarca de Alexandria, título de dignidade eclesiástica usado em Constantinopla, Jerusalém e Alexandria. Ele era um cristão fervoroso, que lutou toda a vida defendendo a ortodoxia da Igreja e combatendo as heresias, sobretudo o Nestorianismo, que negava a divindade de Jesus Cristo e a maternidade divina de Maria.
Sob influência do Patriarca, a população revoltada matou Hipátia, picou seu corpo e espalhou-o pelas ruas da cidade. Alguns anos depois, a biblioteca foi incendiada, e todo o conhecimento acumulado durante sete séculos desapareceu entre as cinzas.
O Fim do Dia à Beira do Mediterrâneo
O dia terminou com almoço num restaurante todo envidraçado de frente ao Mediterrâneo. Voltamos para o hotel mais cedo para descansarmos e amanhã pegar novamente a estrada de volta para o Cairo, de onde embarco de volta ao Brasil na madrugada de segunda-feira.
Abraços a todos e todas que me acompanharam nessa viagem.