Domingo em Paris: Entre Falafels, Claustros e a Multidão nas Margens do Sena
Um passeio sem rumo definido revela recantos surpreendentes: tradições judaicas, manifestações políticas e o charme cotidiano da capital francesa em um domingo ensolarado

12 de maio de 2025
Bon jour à tous!
Hoje, segundona, Paris amanheceu cinza e choveu durante a noite, o que foi bom para levar embora a poluição e tirar a eletricidade do ar, quando a secura faz nosso cabelo ficar em pé e a gente ter choquinhos ao tocar algum objeto.
Domingo de céu aberto e ruas movimentadas
Mas ontem foi domingo e, aos domingos, em Paris, nosso Senhor Jesuscristinho gosta de ver todo mundo bem e, por isso, nos presenteou com um dia lindo, daqueles que dá vontade de perambular sem destino chutando tampinhas e observando os tipos pós-modernos que dividem a calçada conosco. Saí do apê e peguei o busão 29 para me deixar na Place des Vosges. Ao passar pelo boulevard Dausmenil, estranhei a quantidade de camburões da polícia e o número de policiais, que foi aumentando à medida que o ônibus se aproximava da Place de la Bastille.
Daí entendi: na Bastille estava se iniciando, no final da manhã, a concentração para uma manifestação articulada pelos partidos de esquerda, com a presença de Mélenchon, a favor da causa palestina, que iria percorrer da Bastille até Nation — um total de 2 km.
Tradição de domingo: Rue des Rosiers
Aos domingos, quando estou em Paris, tenho por hábito — que remonta a um quarto de século — passear e almoçar na Rue des Rosiers, no coração do 4ème arrondissement, bem no centro da comunidade judaica que historicamente habita esse bairro desde a Idade Média. A rua é relativamente pequena — deve ter uns cinco quarteirões — com lojas de roupas e acessórios disputando espaço com as dezenas de restaurantes e doceiras judaicas. Aqui se come barato, e as filas imensas que mostro nas fotos são para comprar os sanduíches feitos dentro de uma pita, que custam entre 8 a 10 euros.
Uma descoberta inesperada
E ontem tive uma surpresa ao entrar, por acaso, em uma passagem e, de repente, estava num antigo claustro da igreja Notre des Blanches Manteaux, onde me deparei com um jardim imenso, todo florido, e centenas de jovens espalhados pelo chão comendo seus sanduíches de falafel.
Um espaço incrível que você nunca imaginaria que existe no centro de Paris, mas numa vilazinha do interior. É um espaço para sentar, apreciar a natureza e refletir.
Afinal, foi para isso que os mosteiros e conventos, milenarmente, construíram esses claustros: um espaço para reflexão interior.
Rei do Falafel e observações curiosas
Voltei para a rua e me sentei à mesa do restaurante ‘Rei do Falafel’ — aqui todo mundo é rei ou imperador de alguma coisa — e fiquei praticando meu esporte predileto: observar o público que desfilava por essa rua estreita e que já foi palco de um dos filmes mais cômicos que já vi na vida: “As loucas aventuras de Rabi Jacob”. E se vocês encontrarem em algum streaming, assistam. Tenho certeza de que rirão muito.
Clique aqui para ver um trecho do filme sem pagar nada
Bem em frente de onde me sentei, três meninos judeus, com suas roupas e chapéus característicos, montaram uma banca de camelô para vender Kipot (plural de kipá: pequena touca ou boina usada pelos judeus como um símbolo religioso e um lembrete da presença de Deus acima deles.) e outros apetrechos que os praticantes da Casa de David costumam usar. Esses jovens eram, de tempos em tempos, supervisionados por um rabino que vinha conversar ou, talvez, os instruir. Curioso é que essa banquinha está sempre montada em algum lugar nessa mesma região. Creio que seja pelo fato de que, na rua ao lado, há uma antiquíssima livraria judaica, ponto de encontro dos rabinos — pelo menos é o que deduzo. Se meu amigo Jacob, dos tempos de graduação da Unicamp, estivesse vivo, poderia me informar melhor, pois sua irmã mais velha morou aqui, no 4ème, a maior parte da sua vida.
Caminhada até o Sena e pausa no Marguerite
Saí da Rue des Rosiers e comecei a caminhar meio sem rumo, em direção ao Sena, rumo à Rue de Rivoli, onde estão os ‘bouquinistas’, aqueles vendedores de livros usados na beira do rio, instalados aí há vários séculos.
Desci a Rue Vieille du Temple e peguei um atalho; acabei entrando pela porta dos fundos da igreja de Saint Gervais, que fica atrás da Prefeitura de Paris.
Saí e, alguns passos depois, estava na beira do rio, onde uma multidão tomava sol espalhada ao longo da margem.
De longe pude ver e fotografar a Catedral de Notre-Dame, e deu para ver que as obras de reconstrução, desde o incêndio em 2019, estão longe de serem terminadas.
Fui caminhando pela margem direita até a Place de l’Hôtel de Ville, a prefeitura de Paris, onde acabei entrando no café Marguerite, na esquina — um dos locais preferidos pelos turistas de todo o planeta.
Quando sentei para um café já passava das 17h00, e a maioria das pessoas ali sentadas eram franceses finalizando suas refeições.
Parisienses e paulistanos: hábitos em comum
Me lembrei da Sampa Desalmada e dos hábitos dos paulistanos, com os quais nunca irei me acostumar até o final dos meus dias: sair para almoçar, aos domingos, depois das 15h00. Deduzi, pelo meu chutômetro, que parisienses e paulistanos têm algo em comum aos domingos: sair para almoçar depois das 15h00.
Verde na praça da prefeitura
A praça da prefeitura está toda fechada por tapumes, e o motivo é o mais justo possível. Essa praça imensa, onde até o ano passado era instalada uma pista de patinação no inverno, agora vai se tornar um novo espaço verde para a cidade.
Olhei e fotografei por sobre os tapumes, e vocês poderão ver que as árvores grandes já estão plantadas, e o verde domina esse espaço antes vazio e concretado.
Retorno para casa com chuva e vinho
Decidi caminhar até a Place des Vosges para pegar o busão 29 de volta. Qual o quê! A espera era de mais de uma hora. Caminhei de volta para a estação Saint-Paul do metrô e peguei a linha 1.
Cheguei no apezinho cedo, por volta das 18h00. Liguei a TV e vi nos noticiários da noite que a manifestação a favor dos palestinos havia ocorrido sem nenhuma intervenção policial e de forma tranquila, diferentemente do que se passou no último 1º de maio.
Logo em seguida, começou a chover. Abri uma garrafa de vinho branco, fiz um sanduíche de salmão defumado, e o domingo se despediu com chuva fina do outro lado da janela.
Amanhã tem mais.