Paris em histórias, sabores e surpresas para um dia memorável
Paris em fotos, dicas e humor num passeio inesquecível

Bon jour a tous!
Habemus Papa (até para ateus)
Habemus Papa! Essa foi a notícia maior do dia de ontem e, é claro, que habemus papa para cristãos, mulçumanos, judeus, umbandistas, kardecistas, hinduístas, e mais umas quatrocentas mil religiões que devem existir pelo mundo afora; e habemus papa até para os ateus, como é o meu caso pessoal e para muitos outros inquilinos da Gea que conheço. Papa é assim uma espécie de consciência coletiva boa do mundo ocidental, um tipo de embaixador de Deus aqui na Terra, por isso, é recebido por dirigentes democráticos, socialistas, comunistas etc etc etc.
O que eu não sei é se, para os gatos, o papa é tão importante assim, como é para os Sapiens, e a Fifi não apareceu na janela da vizinha para sanar essa minha dúvida existencial, na manhã de hoje, quando me sento na janela do apê para redigir esse diário. Quando a Fifi voltar a aparecer vou fazer essa pergunta crucial para os caminhos da civilização.
Afinal, segundo pesquisa recente, realizada na terra do novo papa, apontou que existem, mais de meio bilhão de gatos no mundo e a adoção de gatos é muito superior que adoção de cachorros.
Céu azul sobre Paris
E ontem, assim como hoje, o céu em Paris está de um azul de indescritível beleza – comparável ao céu do Brasil, nessa época do ano, quando aí é outono – é um sol radioso com temperaturas máximas subindo levemente.
Jantar asiático e memórias gastronômicas
Ontem decidi que não iria cozinhar e também não iria a nenhum restaurante. Ao invés de comprar comida congelada no Picard – uma rede de super congelados que você encontra tudo que se possa imaginar – fui a um Traiteur tailandês, a duas quadras do apê. Traiteur é uma loja de comida pronta e, em 95% dos casos, asiáticos, e é a maneira mais barata de se comer por aqui.
Aliás, já faz alguns anos que os asiáticos vêm ampliando suas redes de cafés e pequenos restaurantes e confecções pelas ruas de Paris. Quando comecei vir a Paris, há mais de três décadas, o comum era você encontrar restaurantes de Auvergne, uma região no sudoeste da França que tem excelente culinária. Os restaurantes asiáticos, nessa época, estavam localizados basicamente no 19éme e no 13éme arrondissement, considerados bairros dos asiáticos.
Quando me refiro a asiáticos compreendem várias etnias. Chineses, em primeiro lugar, mas tem muito vietnamita e cambojano – para não se esquecer que esses dois países são ex colônias francesas – e os campeões de público – que são os restaurantes japoneses e tailandeses. Nos dias de hoje os restaurantes de Auvergne praticamente desapareceram das ruas da cidade, mas, em compensação, em quase todas as quadras da área central você encontra até três restaurantes asiáticos em cada uma.
Concerto na igreja luterana
E ontem à tarde, às 16h30, agendei para assistir a um concerto de órgão, viola e canto, numa igreja luterana, no 17éme arrondissement, na parte norte de Paris. Saí do apê por volta das 15h00 e a maneira mais prática era o metrô. Peguei a linha 6 na estação de PicPus e andei uma estação até Nation. Aí, andei debaixo da terra alguns quilômetros para pegar a linha 2 até a estação Roma.
Para quem não conhece Paris, as linhas 6 e 2 nascem e morrem nas mesmas estações, só que linha 6 conecta a cidade pela região sul e a linha 2 pela região norte. As duas linhas te conectam com quase todas as outras 14 linhas de metrô, a rede de RER – que são trens inter cidades que cruzam Paris debaixo da terra – aproximadamente 300 linhas de ônibus e a todo o sistema das quatro linhas de bonde que unem Paris pela periferia da cidade, acompanhando o traçado da Périphérique. Se você se interessar e quiser entender melhor minha descrição basta abrir o Google Maps do seu celular ou lap top e ver o mapa da cidade de Paris.
Passeio pelas Batignolles
Desci na estação Roma e fui caminhando até a igreja luterana. Esqueci de dizer que ontem como data comemorativa da capitulação dos alemães, na II Guerra, vários comércios e escolas estavam fechados. Saí da boca do metro e me deparei com uma alameda com plátanos nos dois lados da alameda central do boulevard des Batignolles, vizinho da região de Pigale, onde está o Moulin Rouge e muitos outros cabarés.
Como ainda era cedo caminhei pela alameda sombreada e prestei atenção na beleza da arquitetura do imenso prédio da escola de segundo grau “Lycée Chaptal”. Caminhei sem rumo observando as crianças nos seus patinetes e bicicletas fazendo manobras que só as crianças são capazes de fazer.
Entre o teatro e a igreja
De um lado o Liceu e do lado oposto o Theatre Hebertot, inaugurado em 1838, numa época que essa região não pertencia a Paris, mas era a comuna conhecida como Batignoles-Monceau. Em cartaz ’12 hommens em colére’ que no Brasil foi traduzida para ’12 homens e uma sentença’. Tanto aqui como no Brasil sucesso absoluto e vejam que não é a primeira vez que é encenada.
Aliás, primeiro veio o filme ’12 homens e uma sentença’ tendo no papel principal Henry Fonda, lançado em 1957, depois virou peça na Broadway e ganhou o mundo teatral.
Pegando a rua ao lado do teatro caminhei mais uns 900 metros até a entrada da igreja luterana. Um fato curioso me chamou atenção. Na entrada da porta principal da igreja havia uma pequena estante com livros expostos e qualquer pessoa pode escolher um título e levar embora, são livros para doação. O que me chamou atenção foi o título de um deles: ‘Lolita’, de autoria de Vladimir Nabokov.
Um livro polêmico, do início do século passado, que chegou a ser proibido já que trata de um tema que incomodou muito a moral da época e ainda incomoda muito a moral de qualquer época. É sobre a obsessão de um homem mais velho por uma menina de 13 anos. Bem essa outra questão e não pretendo aqui fazer qualquer análise. O que me chamou atenção mesmo é um título desse, na estante na porta de uma igreja luterana.
Concerto inesperado e comovente
A apresentação de ontem estava prevista órgão, viola e canto. O programa, no entanto, foi alterado uma vez que a esposa do organista, que iria tocar viola e cantar, sofreu um acidente doméstico, fez corte na mão direita, e teve que ser levada de ambulância ao hospital, segundo narrou seu marido para o público presente, visivelmente ainda abalado com o ocorrido.
Confesso que a mudança do programa, inicialmente para órgão e viola, quem saiu ganhando foram nós, o público. De última hora o organista conseguiu que sua amiga, uma descendente de asiática, aceitasse acompanhá-lo na apresentação com flauta transversal. A primeira música foi obra de Bach para órgão e flauta, a cantata 156. A música é de uma beleza tão grande que nos aproxima do Divino. Apresentação durou precisamente uma hora que nos transportou para um mundo mágico onde só existe notas musicais e beleza do universo e das coisas.
Memórias, Alzheimer e o fim da tarde
No final da apresentação confesso a vocês que fiquei um pouco tocado sentimentalmente. Primeiro com o organista que aparentava tristeza no rosto e o segundo motivo é que dois bancos à frente de onde eu estava sentado havia duas senhoras. No final do espetáculo pude observar que uma delas, possivelmente com Alzheimer, passou o concerto abraçada a três bonecas enroladas num cobertorzinho.
Esse momento me fez lembrar do final da vida do meu pai e de uma amiga querida muito ativa, vítima dessa doença, e que hoje, aos 77 anos, vive numa casa de repouso. Recentemente vi foto sua sorrindo com uma boneca no colo. E, assim num de repente, parece que mundo caiu sobre sua cabeça.
Bouillon Chartier e o metrô infinito
Bem, vida segue seu caminho. Fazia muito frio e quando vi um ônibus indicando como ponto final Gare de Montparnasse pulei dentro. Fugi do frio e desembarquei ao lado do Bouillon Chartier. Escolhi um menu completo: entrada patê de campagne, morcilha com maçãs e sobremesa bomba de chantili.
Findo jantar voltar para o apê. Na frente do restaurante – com fila de espera de mais de 100 pessoas no frio – entrei na boca do metro. Me esqueci que essa boca de metro era da Gare de Montparnasse que eu odeio. Ela é simplesmente gigantesca. Você anda quilômetros e quilômetros debaixo da terra. Evitem em Paris duas estações. Essa e Chatelet.
Cheguei na rua do apê ainda com resga de céu azul.
Amanhã tem mais.
Adorei o texto! Leve, engraçado na medida certa e cheio de curiosidades que prendem a gente do começo ao fim. Parece que estou andando por Paris junto com o autor, rindo das observações e aprendendo sem nem perceber. Até a Fifi virou personagem importante!
Medina