Distopia à brasileira

Diário do ano da peste de 25 de outubro de 2021
Texto e vídeo Marcus Ozores
Foto Otávio de Souza – via Wikipedia
E hoje é segundona, dia 25 de outubro e a vida segue com os percalços de sempre e as loucuras tão comuns aqui mas Terras de Pindorama. E para sobreviver continuo lançando minhas granadas do “Só a poesia nos Salvará” direto das areias da República Anarquista dos Tupinambás de Barequeçaba, que continuam antropófagos e, por isso, se não for convidado não apareça.
Como vivemos num país distópico, também temos um presidente distópico que fala o que lhe vem a cabeça e disse no seu canal do boi que a vacina contra Corona vírus provoca como efeito colateral a Aids. Se fossemos uma república minimamente séria, o criador dessa frase passaria bons tempos no Pinel.
Mas como não somos um país sério, vamos buscar na beleza das palavras da moçambicana Paulina Chiziane, de 66 anos, de conforto. Afinal, Paulina Chiziane, venceu o Prêmio Camões deste ano em curso de 2021. No anúncio da premiação do maior título para autores da língua portuguesa que foi feito na tarde do ultimo dia 20 de outro e o júri destacou “a importância que Paulina Chiziane dedica nos seus livros aos problemas da mulher moçambicana e africana”. A comissão do Prêmio Camões deste ano, composta por brasileiros, portugueses e representantes de países africanos de língua oficial portuguesa, também menciona o vasto alcance da obra de Paulina, festejada por público e crítica, e a ponte que seu trabalho constrói outras pontes com situações de mulheres semelhantes à situação das mulheres moçambicana
O principal livro de Paulina Chiziane, nascida em 1955, na vila de Manjacaze, é Niketche: uma história de poligamia, editado pela Companhia de Bolso. No romance, a fiel e subserviente Rami descobre que seu marido, Tony, tem amantes e filhos por todo Moçambique. Em vez de se distanciar do marido, com quem é casada há 20 anos, a protagonista decide que irá conhecer cada uma das mulheres. “Eu, Rami, sou a primeira-dama, a rainha mãe. […] O nosso lar é um polígono de seis pontos. É polígamo. Um hexágono amoroso”, diz a personagem.
Vou ler para vocês alguns trechos maravilhosos que selecionei de textos vários dessa fabulosa escritora Paulina Chiziane.

“Amor. Tão pequena, esta palavra. Palavra bela, preciosa. Sentimento forte e inacessível. Quatro letras apenas, gerando todos os sentimentos do mundo.As mulheres falam de amor. Os homens falam de amor. Amor que vai, amor que vem, que foge, que se esconde, que se procura, que se encontra, que se preza, que se despreza, que causa ódios e acende guerras sem fim. No amor, as mulheres são um exército derrotado, é preciso chorar. Depor as armas e aceitar a solidão. Escrever poemas e cantar ao vento para espantar as mágoas. O amor é fugaz como a gota de água na palma da mão”.
“Mães, mulheres. Invisíveis, mas presentes. Sopro de silêncio que dá a luz ao mundo. Estrelas brilhando no céu, ofuscadas por nuvens malditas. Almas sofrendo na sombra do céu. O baú lacrado, escondido neste velho coração, hoje se abriu um pouco, para revelar o canto das gerações. Mulheres de ontem, de hoje e de amanhã, cantando a mesma sinfonia, sem esperança de mudanças”.
“Dançar. Dançar a derrota do meu adversário. Dançar na festa do meu aniversário. Dançar sobre a coragem do inimigo. Dançar no funeral do ente querido. Dançar à volta da fogueira na véspera do grande combate. Dançar é orar. Eu também quero dançar: A vida é uma grande dança”.
“Cerramos as nossas bocas e as nossas almas. Por acaso temos direito à palavra? E por mais que a tivéssemos, de que valeria? Voz de mulher serve para embalar as crianças ao anoitecer. Palavra de mulher não merece crédito. Aqui no sul, os jovens iniciados aprendem a lição: confiar numa mulher é vender a tua alma. Mulher tem língua comprida, de serpente. Mulher deve ouvir, cumprir, obedecer”.

