O surrealismo de Murilo Mendes pra esquecer a distopia

Diário do ano da peste de 31 de outubro 2021
Texto e vídeo de Marcus Ozores
Ilustração: Ismael Nery – Retrato de Murilo Mendes -1922 ( Fonte wikpedia)
E hoje é domingo dia 31 de outubro e seguimos com nossas granadas contra o besteirol, com “Só a poesia nos Salvará”. Hoje choveu o dia todo na República Anarquista dos Tupinambás e o nosso senhor Jesuscristinho, de novo, resolveu me enviar um WhatsApp celeste para me avisar que até o Pai dele não entendeu o que o capitão foi fazer lá em Roma. Isso porque seu Pai achou que o capitão fosse, na verdade, presidente da Argentina, pois, na conversa do capitão com o presidente da Turquia, o capitão disse que a Petrobrás só dá “pobrema”.
E além do mais, Jesuscristinho também me perguntou se o capitão tem algum outro “pobrema”, já que ele só sai pela porta do fundo da Embaixada brasileira, situada na belíssima Piazza Navona, no histórico prédio do Palácio Panphilli, – ele o filho e uns 400 seguranças- , para comer um sanduiche de salame com coca cola ( deve ser presidente americano) . Nosso senhor Jesuscristinho disse que seu Pai descobriu que o capitão não era argentino, pois, ele não visitou o Papa, torcedor da La Albiceleste.
E o diálogo do nosso senhor Jesuscristinho e essa conversa do capitão em Roma, me fez recordar de um brasileiro de Juiz de Fora , que se mudou, em 1957, para a Roma para assumir o cargo de professor de literatura brasileira na Universidade de Roma à convite da Embaixada Brasileira no país. Falo do mineiro Murilo Mendes, nascido em Juiz de Fora em 1901 e falecido em 1975 em Lisboa, na casa do seu sogro, o poeta português Jaime Cortesão.
Murilo Mendes, que na juventude bebeu da corrente modernista da Semana de 1922, após contatos com intelectuais norte americanos e europeus, bebeu muito do movimente surrealista. Dentre esses intelectuais, podemos destacar Albert Camus, Rogerro Ungaretti, Ruggero Jacobbi, Ezra Pound, Jorge Guillén , Rafael Alberti, Sophia de Mello Breyner Andresen ( que é uma poeta portuguesa importantíssima), António Ramos Rosa, Miró, Cocteau, René Char e André Breton. A propósito foi desse último, o grande representante do surrealismo francês, que Mendes sofreu influência do surrealismo. Vou ler de Murilo Mendes dois belíssimos poemas para esquecer o vexame do capitão nas terras do Papa, que na ausência de companhia ele foi conversar com os garçons sobre futebol.
1- Canção do exílio
Minha terra tem macieiras da Califórnia
onde cantam gaturamos de Veneza.
Os poetas da minha terra
são pretos que vivem em torres de ametista,
os sargentos do exército são monistas, cubistas,
os filósofos são polacos vendendo a prestações.
A gente não pode dormir
com os oradores e os pernilongos.
Os sururus em família têm por testemunha a Gioconda.
Eu morro sufocado
em terra estrangeira.
Nossas flores são mais bonitas
nossas frutas mais gostosas
mas custam cem mil réis a dúzia.
Ai quem me dera chupar uma carambola de verdade
e ouvir um sabiá com certidão de idade!
2- Cavalos
Pela grande campina deserta passam os cavalos a galope.
Aonde vão eles?
Vão buscar a cabeça do delfim rolando na escadaria.
Os cavalos nervosos sacodem no ar longas crinas azuis.
Um segura nos dentes a branca atriz morta que retirou das águas,
Outros levam mensagens do vento aos exploradores desaparecidos,
Ou carregam trigo para as populações abandonadas pelos chefes.
Os finos cavalos azuis relincham para os aviões
E batem a terra dura com os cascos reluzentes.
São os restos de uma antiga raça companheira do homem
Que os vão substituir pelos cavalos mecânicos
E atirá-los ao abismo da história.
Os impacientes cavalos azuis fecham a curva do horizonte,
Despertando clarins na manhã.
certidão de idade!