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Tão longe e tão perto

Diário de Pindorama

Texto, vídeo e apresentação de Marcus Ozores

Hoje é 7 de fevereiro de 2022, terceiro ano da peste. E estou aqui com “Só a poesia nos Salvará”, diretamente daqui da minha República Livre Anarquista dos Tupinambás de Barequeçaba.

No uso diário da internet através do computador e do celular, não só perdemos a noção de tempo , como o mundo se amplia e se fecha cada vez mais e por isso mesmo foi criada a palavra Glocal, isto é a junção das palavras e dos conceitos de Global e local.  Na mais perfeita tradução quer dizer que você está na sua aldeia ou fechado na sua casa, na sua aldeia minúscula perdida na serra do Mar mas está conectado e se comunicando com o mundo.

E foi isso que senti ao me deparar hoje de manhã com uma postagem minha feita há exatamente dois anos, no dia 7 de fevereiro de 2020, quando a peste da covid já havia saído da China e começava a se espalhar na Europa começando pela Itália e Alemanha.  Há 2 anos, estava com a troupe da qual fazia parte Wilma, minha companheira de vida, Carlos e Fran, os dois à época doutorandos, em história da arte. Estávamos hospedados em Paris e alugamos um carro para apresentar aos jovens estudantes a pequena cidade Belga que é um verdadeiro paraíso para quem estudar história da arte.
Reproduzo aqui o que escrevi na ocasião:

Brugges – fontye wikimediacommons

Brugges, 07 de fevereiro 2020

Mais um dia em Brugges, uma das mais ricas cidades europeias na alta idade média.
Existem 13 museus a disposição dos turistas.

Compartilho fotos da cidade e de dois museus sendo que as fotos do primeiro são Hospital de São João, construído no século XII e, portanto, um dos mais prédios mais antigos do mundo com essa finalidade. Visitei também o Memmeling onde estão expostas as obras do pintor brugiano de Van Dyck.
A cor vermelha predomina quase todas as telas expostas no museu.
E por fim visitei a igreja de Nossa Senhora onde está a magnífica obra de Michelangelo Buonarroti, a Madona de Brugges. E se você visitar essa igreja cuidado para não passar despercebido e não ver essa obra magnifica de Michelangelo. A Madona e o Bambino não tão é imensa como a Pietá dele que está no Vaticano, mas bem menor e nem tão escondida assim.
Caminhar a noite por Brugges no inverno é como caminhar dentro dos nossos sonhos.
E me lembro que dois dos escritores que mais admiro são nascidos na Bélgica. O primeiro é George Simenon o maior autor de romances policiais e criador do Comissário Maigret, mas este nunca escreveu poesia.
A escritora é Marguerite Yourcenar nascida em Bruxelas em 1903 e foi a primeira mulher eleita a Academia Francesa de Letras em 1980. Dentre os inúmeros livros que ela publicou o seu livro que me marcou para sempre foi Memórias de Adriano, o imperador romano. Yourcenar lia latim e grego antigo e antes da II Guerra Mundial levou vida boemia morando em vários países dentre eles a Grécia.
Vou ler de Marguerite Yourcenar o poema que nos fala dos sonhos, assim como é caminhar por Brugges a noite no inverno:

 

RECORDAMO-NOS DOS NOSSOS SONHOS

Marguerite_Yourcenar-Bailleul-1982.10.04.Bernhard_De_Grendel_(10)

 

 

 

 

 

 

 

 

Recordamo-nos dos nossos sonhos:
não nos recordamos dos nossos sonos.

Apenas duas vezes penetrei nesses fundos
atravessados por correntes
onde os nossos sonhos
não são mais do que embarcações
de realidades submersas.

No outro dia,
bêbado de felicidade
como se fica bêbado de ar
no final de uma longa corrida,
atirei-me para a cama,
como um nadador
que se atira de costas,
os braços cruzados:
mergulhei num mar azul.

Encostado ao abismo
como uma nadadora que nada com prancha,
sustentada pela bóia de oxigénio
dos meus pulmões cheios de ar,
emergia desse mar grego
como uma ilha recém-nascida.

Esta noite,
bêbada de desgosto,
deixo-me cair sobre a cama
com os gestos de uma afogada
que se abandona:
cedo ao sono como à asfixia.

As correntes de recordações persistem
através do embrutecimento noturno,
levam-me para uma espécie de lago Asfáltico.

Não há forma
de mergulhar nessa água saturada de sais,
amarga como a secreção das pálpebras.

Flutuo como a múmia sobre o seu betume,
na apreensão de um acordar
que será no máximo uma sobrevivência.

O fluxo,
depois o refluxo do sono
fazem-me rebolar contra minha vontade
nessa praia de cambraia.

A cada momento,
os meus joelhos batem um no outro
à tua lembrança.

O frio acorda-me,
como se me tivesse deitado
ao lado de um morto.

 

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Marcus Ozores

Marcus Vinicius Pasini Ozores é fotógrafo, jornalista, apresentador de TV , mestre em Ciências Sociais e Pesquisador Associado na UNICAMP

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