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Só tenho filhas . Mulher não pode pescar

Causos da Mestra Proeira

Texto de Priscila Siqueira

Ilustração: Arnaldo Passos

Numa das muitas viagens que fiz em embarcações de pescadores artesanais por

conta de minha profissão, tive uma conversa muito interessante com o mestre

que nos levava a uma das ilhas desse nosso litoral.

Ele se queixava que já estava ficando velho e logo não mais aguentaria a faina de

pescar quase todos os dias. Ele iria se aposentar, mas estava muito triste porque

teria de vender o seu barco.

-“Gosto muito de meu barco mas não dá para ficar com ele, não. Preciso vender

minha embarcação pois eu só tenho filhas mulheres. Para falar a verdade, minha

filha mais velha leva um a embarcação como esta melhor que muito marmanjo

que conheço. Desde pequenina eu ensinei tudo o que sabia pra ela”, confessou o

mestre.

-“ Mas, então , meu amigo, por que o senhor não passa o barco para ela?!”,

perguntei.

Perplexo com minha pergunta, ele retrucou:

-“A senhora quer que falem mal dela?! Minha filha não pode levar um barco

pesqueiro, não. Afinal ela é uma mulher!”…

Prisicila Siqueira é jornalista e escritora
Priscila Siqueira Mestra Proeira da Cancioneiro -Foto APMC

Priscila Siqueira

Paranaense, nascida em 1939, Priscila Siqueira formou-se em jornalismo na antiga Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil, na cidade do Rio de Janeiro. Agora aposentada, trabalhou por muitos anos na Grande Imprensa nacional :Agência Folha de São Paulo, Agência Estado (jornais O Estado de S.Paulo, o extinto Jornal da Tarde e Rádio El Dourado) e no jornal Valeparaibano. Como jornalista teve a oportunidade de presenciar a expulsão dos caiçaras - o caboclo do litoral - de suas praias pela especulação imobiliária, decorrente a abertura da Rodovia BR 101, no seu trecho de Santos - Rio de Janeiro. Dessa experiência, surge seu primeiro livro “Genocídio dos Caiçaras“, em 1984. Jornalista especializada na questão ambiental, cobriu a Constituinte do Meio Ambiente de 88. Como ativista ambiental, foi uma das fundadoras da SOS Mata Atlântica, Movimento de Preservação de São Sebastião- MOPRESS e presidente da Sociedade de Defesa do Litoral Brasileiro. Em 1996, participou do Congresso Mundial contra a Exploração Sexual Comercial de Crianças e Adolescentes, na cidade de Estocolmo realizado pela rainha Sílvia da Suécia e a UNICEF- Nações Unidas para a Infância. Foi professora na antiga Escola Normal de São Sebastião, além de dar aulas no Centro Universitário Salesiano de São Paulo- UNISAL, e na Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo- FESPSP, em cursos de pós graduação lato sensu, sobre a Violência à Mulher, Prostituição Feminina e Tráfico de Mulheres e de Meninas.

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2 Comentários

  1. Atualmente a mulher fez grandes conquistas na sua performance como mulher. Se reinventa a cada dia, imagina esse mestre pescador vendo você Priscila, mulher, esposa e mãe evolvida em grandes caudas que só cabia aos homens, porém diferentemente na defesa da Mulher como profissional, a mulher mãe, a mulher esposa. A mulher era vista como uma fazedora de tudo, porém o homem não a olhava como Mulher e sim com a mulher somente do lar. Eu tenho prima que conduxia um barco numa pescaria, e vendia os peixes para pagar sua faculdade de letras, hoje está com seus 70 anos ou mais. Imagina como era vista pelos seus companheiros pescadores e na nossa pequena comunidade do Porto Novo naquela época…

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