Um concerto na Sorbonne, livros, saudades felinas e bossa nova em Paris
Uma Noite Brasileira na Sorbonne: Bizet, Villa-Lobos e samba em Paris

Bon jour à tous!
Hoje começo com uma confissão matinal: estou com muitas saudades das minhas gatas que ficaram no apartamento em Sampa, a Desalmada. O mais triste é que a Fifi, a gata tricolor do apartamento ao lado, nunca mais apareceu na janela. Acho que a dona se aborreceu e decidiu não mais expor a Fifi ao mundo – nem aos amantes de gatos como eu.
Desabafo felino feito – e só entende quem tem gatas ou gatos em casa – vamos ao clima do dia: mais uma manhã primaveril em Paris, com céu parcialmente azul e nuvens esparsas. As temperaturas seguem baixas pela manhã, com máxima prevista de 17°C. Bem parecido com ontem.
E ontem foi especial! Havia comprado, ainda do Brasil, ingresso para o concerto da Orquestra e Coro da Sorbonne, realizado no belíssimo anfiteatro da universidade, na Rue des Écoles. Essa é a rua da estátua de Montaigne – cuja ponta do pé direito, dourada pelo toque de séculos de superstição, continua reluzente. Dizem que tocar ali traz sorte…
Aproveitei para fazer minha “fezinha” por aqui também, na EuroMilhões. O prêmio? Nada menos que 110 milhões de euros! Fiz minha aposta para terça e sexta. Só confiro no sábado… quem sabe?
No fim da tarde, depois de algumas comprinhas no quartier, fui à livraria Compaigne, uma joia no caminho até a Sorbonne. A entrada é discreta, mas o subsolo revela uma espécie de labirinto cultural: setores para poesia, romances policiais, filosofias de todas as eras, e até “economia futurista” – que, convenhamos, parece ficção depois que dois presidentes criaram suas próprias criptomoedas estampadas com seus rostos…
Um charme da livraria: muitos livros têm uma ficha de recomendação afixada na capa – feita por leitores que já leram, gostaram e quiseram compartilhar. Um detalhe tocante e literário.
Depois de garantir meus livros, fui lanchar na antiga sede da PUF (Publications Universitaires Françaises), hoje uma rede de comida vegana com bons preços e vista para a Sorbonne de um lado e para o Boulevard Saint-Michel do outro. Jovens com laptops por todos os cantos, absortos, criando o futuro digital ali mesmo.
19h40. Hora do espetáculo.
Cheguei ao número 47 da Rue des Écoles e entrei no Anfiteatro da Sorbonne – um espaço histórico, inaugurado em 1889, com mais de mil lugares. No palco, Le Bois Sacré de Puvis de Chavannes domina, cercado pelos símbolos das Letras, Ciências e Artes. Ali já passaram mais de 30 vencedores do Nobel, incluindo Marie Curie, a única mulher a receber dois.
O concerto foi dividido em duas partes. A primeira homenageou Georges Bizet. E a surpresa da noite: a estreia mundial de uma obra inédita de Bizet sobre Vasco da Gama – 150 anos após sua morte! Um momento único.
A segunda parte foi brasileira.
Começou com “Deus dos Aimorés”, da ópera O Guarany, de Carlos Gomes. Um barítono maravilhoso, um coro poderoso e uma sonoridade que arrepiava. Como amante de ópera, e fã declarada de Carlos Gomes (sim, aquele admirado por Verdi!), fiquei encantada.
Na sequência, Villa-Lobos: Bachianas Brasileiras nº 5 e Melodia Sentimental, interpretadas com maestria pela soprano Barbara Prada Rojas – colombiana radicada na Alemanha. E, para fechar, “Dança Brasileira” de Camargo Guarnieri – sim, o do primeiro nome “Mozart”.
O público aplaudiu de pé, e os regentes voltaram três vezes ao palco. No bis, o maestro nos presenteou com dois tesouros brasileiros: “Águas de Março” (Tom Jobim e Elis Regina em espírito) e, para fechar com alegria contagiante, “Tristeza” (Nilton de Souza e Haroldo Lobo). Sim, o Anfiteatro da Sorbonne dançou como se fosse o Municipal do Rio em noite de carnaval. Inesquecível.
Já passava das 22h quando peguei o ônibus 86 de volta para a Vila de Bel-Air.
Amanhã tem mais.