HumorOs Diários do Ozores

O Direito à preguiça

 

Diário do Fim do Mundo

Texto, vídeo e apresentação de Marcus Vinicius Ozores

Diário do Fim do Mundo, 18 de abril daquele ano que já nasceu de mau humor de 2022. E aqui  para combater o mau humor dessa nossa república do Febeapá,  eu continuo firme com  ‘Só a poesia nos Salvará’, em plena segunda feira,  mas dá uma preguiça  danada só de pensar no trabalho que dá ser cidadão brasileiro .

Por isso, prefiro ficar à brisa da praia aqui da República Livre Anarquista dos Tupinambás de Barequeçaba. Aliás, acho que vou propor a algum deputado, que apresente uma PEC que garanta o direito à preguiça. O genro do Barbudo, o cubano Paul Lafarge, reivindicava, já em 1880, o direito a ficar na rede o dia todo e publicou um manifesto que mantenho na cabeceira da minha cama, e tem como título: ‘O direito a preguiça’.

Xilogravura de Arnaldo Passos

                                                                          Aliás,  vou propor na PEC que um dia redigirei, que toda a inteligência artificial e todos os robôs assumam o trabalho dos humanos e assim, nós os Sapiens em carne, sangue e ossos desse mundão poderemos ficar na praia o dia todo, todos os dias, se assim desejarmos.

E prá provar que não estou sozinho nessa empreitada selecionei um trecho do livro ‘Mar me Quer’ do moçambicano Mia Couto que trata de tema tão importante para sobrevivência da raça humana. O trecho que vou ler… começa assim:

SOU FELIZ SÓ POR PREGUIÇA.

Mia_Couto_(9623658386) – Wikiomediacommons

A infelicidade dá uma trabalheira pior que doença: é preciso entrar e sair dela, afastar os que nos querem consolar, aceitar pêsames por uma porção da alma que nem chegou a falecer.
– Levanta, ó dono das preguiças. É o mando de minha vizinha, a mulata Dona Luarmina.
Eu respondo: -Preguiçoso? Eu ando é a embranquecer as palmas das mãos.
-Conversa de malandro…
– Sabe uma coisa, Dona Luarmina? O trabalho é que escureceu o pobre do preto. E, afora isso, eu só presto é para viver…
Ela ri com aquele modo apagado dela. A gorda Luarmina sorri só para dar rosto à tristeza.
– Você, Zeca Perpétuo, até parece mulher…
– Mulher, eu?
– Sim, mulher é que senta em esteira. Você é o único homem que eu vi sentar na esteira.
– Que quer vizinha? Cadeira não dá jeito para dormir.
Ela se afasta, pesada como pelicano, abanando a cabeça. Minha vizinha reclama não haver homem com miolo tão miúdo como eu. Diz que nunca viu pescador deixar escapar tanta maré:

– Mas você, Zeca: é que nem faz ideia da vida.
– A vida, Dona Luarmina? A vida é tão simples que ninguém a entende. É como dizia meu avô Celestiano sobre pensarmos Deus ou não Deus… Além disso, pensar traz muita pedra e pouco caminho. Por isso eu, um reformado do mar o que me resta fazer? Dispensado de pescar, me dispenso de pensar. Aprendi nos muitos anos de pescaria: o tempo anda por ondas. A gente tem é que ficar levezinho e sempre apanha boleia numa dessas ondeações. – Não é verdade, Dona Luarmina? A senhora sabe essas línguas da nossa gente. Me diga, minha Dona: qual é a palavra para dizer futuro? Sim, como se diz futuro? Não se diz, na língua deste lugar de África. Sim, porque futuro é uma coisa que existindo nunca chega a haver. Então eu me suficiento do actual presente. E basta. – Só eu quero é ser um homem bom, Dona Luarmina.

 

Hidrel
A Cancioneiro Caiçara tem o apoio cultural da Hidrel. Uma empresa genuinamente caiçara.

Marcus Ozores

Marcus Vinicius Pasini Ozores é fotógrafo, jornalista, apresentador de TV , mestre em Ciências Sociais e Pesquisador Associado na UNICAMP

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