Diário de Paris, 22 de fevereiro de 2023
Texto e fotos de Marcus Ozores
Um velho Timbira,
coberto de glória,
Guardou a memória
Do moço guerreiro, do velho Tupi!
E à noite, nas tabas, se alguém duvidava
Do que ele contava,
Dizia prudente: – “Meninos, eu vi!””
Hoje decidi abrir esse diário com a primeira estrofe do canto 10 do poema I-Juca-Pirama (ouça aqui na voz de Paulo Autran) do nosso poeta maranhense, tão apaixonado pelo Brasil, Gonçalves Dias. Afinal, após viver sete décadas posso dizer que “Meninos eu vi muita coisa”. Posso dizer assim ‘Meninos eu vi a tromba d’água que fez desaparecer bairros inteiros na minha tão querida e tão amada São Sebá. Segundo dados das agências, os índices pluviométricos afirmam que em São Sebá e Bertioga caiu – num dia e numa noite – mais de 600 mm de chuva. Esses são maiores índices já registrados no país”.
E posso dizer ainda “Meninos eu vi” que hoje completaram 32 dias sem chuvas aqui na França e, em Paris, em particular. É a maior crise hídrica que o país atravessa desde que a Meteo-France começou a monitorar os índices pluviométricos no país, a partir de 1959.”
A Cancioneiro Caiçara apoia essa causa S.O.S ao povo Caiçara
#~Tragedia em São Sebastião não foi acidente
Ao mesmo tempo que amigos de São Sebá me informam que ainda há previsão de chuvas até domingo, aqui na França a Meteo-France prevê chuvas isoladas pelo país a partir de hoje. Aqui em Paris a secura é demais, pois, some-se à secura do ar, os aquecedores permanentemente ligados em todos os lugares, casas, lojas, metrô, ônibus, bares, cafés, etc.. etc.. . A garganta seca durante a noite, a pele enrijece, e as narinas acabam sangrando.
Hoje o dia amanheceu nublado, e finalmente choveu, logo após almoço, isto é, na verdade caiu uma garoa forte e pelo menos deixou o ar da cidade mais respirável. Paris, nas atuais circunstância lembra Sampa, em agosto.
Após a angústia matinal de um Sapiens voltemos às nossas flaneurices pelas terras de Victor Hugo.
Hoje saímos para almoçar fora e a ideia era comer um ‘couscous’ legitimamente marroquino, no restaurante de um casal de Marrakesh a umas três quadras do apartamento. Infelizmente o restaurante fechou e acabamos almoçando em um excelente restaurante Tailandês, por módicos 12 euros , prato + sobremesa. Das mais de duas dezenas de restaurantes dos quais passamos em frente no caminho 90% é de origem asiática. Corram se quiserem ainda comer um menu de bistrot francês, se continuar nesse ritmo a comida nativa vai acabar aqui na cidade. O que tem de restaurante de sushi em Paris, nem Sampa chega perto.
Aliás, aqui se come realmente comida de todas as partes do mundo. No Brasil acabamos incorporando o personagem do comediante Simplício, que se dizia nascido em Itu, a cidade onde tudo era maior do mundo mas não é bem assim não.
Bem, hoje a flaneurice ficou reduzido ao bairro, a uma distância de uns 2 ou 2,5 km para ir. Fomos à Fundação Giacometti, situado na rue 5 Rue Victor Schoelcher, ao lado do muro do cemitério de Montparnasse. Como subimos a Gal Leclerc, viramos a esquerda quando chegamos frente a escultura do leão na praça Denfert Rochereau e seguimos pela rue Froidevraux até cruzar com a Rue Victor Schoelcher onde viramos a direita.
Logo ao virar a rua uma placa na parede de um prédio atual informa que nesse lugar viveu Simone de Beauvoir de 1955 a 1986 quando morreu. Simone, que nasceu num apartamento número 103, no boulevard de Montparnasse, nasceu e morreu no 14éme e foi enterrada no cemitério de Montparnasse, cujo muro ela deveria ver todos os dias da janela do seu apartamento.
A exposição intitulada ‘Jardins de Rêves’ traz obras de Giacometti e Salvador Dali, dois dos maiores nomes do movimento surrealista. A exposição gira em torno da criação de um jardim imaginário, no inicio dos anos 30 do século passado. A Exposição é muito didática, aliás, como todas aqui e a montagem temática – obras da década de 1930 – leva-nos a uma viagem pe1o inconsciente dos dois artistas.
A entrada da exposição está localizada em frente a um espaço onde está exposto o ateliê de Giacometti, da mesma forma onde ele trabalhou de 1926 a 1972 ano de sua morte. Annette, viúva de Giacometti, decidiu após sua morte doar as obras e a integralidade do ateliê do artista para a Fundação que agora leva seu nome. Esse ateliê é a réplica real, de 28 m2, com moveis, mesas, cama e obras de arte, roupas, cinzeiro e até a parede onde Giacometti pintou, foi transporta integralmente para o espaço atual na Fundação.
A temática da exposição está focada no período entre guerras com obras de Dalí e Giacometti produzidos na década de 1930.
Por exemplo a famosa tela de Dali com vários relógios deformados no meio do deserto intitulado ‘A persistência da memória’ exposto no MoMa, em NY, desde 1934, tem quadro irmão aqui na exposição. De Giacometti estão expostas várias esculturas realizadas na década de 30 quando o artista experimentava diferentes materiais como ferro, papel machê e outros. O mais fascinante na exposição é a mostra de cadernos e convites da época onde mostra o processo criativo dos dois artistas.
Como o espaço da exposição é muito acanhado ao sair da exposição uma fila imensa de jovens estudantes de arte havia se formado na calçada e todos estavam debaixo de uma garoa fina que caia. Pegamos o caminho de regresso e a pé fomos parando no cinema de arte da place de Denfer, na padaria, no supermercado, no Picard sem se importunar com a garoa que deixou o ar mais respirável.
Chegando de volta ao apê bateu a saudade de um amigo muito querido, que partiu sem avisar, em 2007, e que adoraria estar nessa exposição de hoje. Esse texto escrevi em memória de J. Toledo, ou Jotinha para os íntimos. O ultimo surrealista brasileiro.
Amanhã tem mais