Diário de Paris, 24 de fevereiro de 2027
Texto e Fotos de Marcus Ozores
Hoje me deparei com essa foto abaixo, selecionada pelo NYT para a página do jornal no site hoje, que me causou profunda tristeza. A imagem, registrada pelo fotografo Emile Duke, mostra um vendedor de balões coloridos por lâmpadas led sozinho, numa esquina qualquer da cidade de Kiev, capital da Ucrânia. Ao redor dele, ao invés de crianças disputando a compra de um balão, apenas solidão. Essa foto dá a dimensão do vazio e do sentimento profundo de desamparo da vida de um vendedor de balões que – nesta cena representa toda a humanidade – ao invés de ouvir o burburinho dos risos e gritos de crianças, seus ouvidos estão impregnados do som de misseis explodindo e gritos de dor e desespero.
As imagens, na maioria das vezes, são mais fortes que os textos e transmitem, ao observador, o momento preciso do factum, como se o tempo pudesse aprisionar no momento preciso do sofrimento humano de forma que o presente se transforma no registro da história para futuras gerações. Foram as fotos de uma religiosa belga, enviadas aos jornais de Bruxelas, que causaram revolta popular, no início do século XX, contra o governo do Rei Leopoldo II. As imagens enviadas pela religiosa mostravam a crueldade que os colonos ‘civilizados belgas’, no Congo, tinham direito sobre a vida e morte dos africanos e que, para obrigar o povo nativo (até então livre) a trabalhar nas fazendas se utilizavam da prática corriqueira de amputar mãos, pés, braços e pernas de crianças e adultos, sob o beneplácito do Rei Leopoldo II.
Hoje, 24 de fevereiro de 2023, completa um ano desde que a população mundial assistiu, em tempo real, os tanques russos invadindo, em fila indiana, o território da Ucrânia. E, por isso, peço permissão aos amigos e amigas com quem compartilho esse diário de Paris, uma breve digressão sobre essa guerra que afeta direta e indiretamente, a economia planetária.
Em 1978, eu era aluno do mestrado em Educação, na Unicamp, e concomitantemente (adoro essa palavra) trabalhava como fotógrafo free-lancer do ‘Estadão’, na sucursal de Campinas. Nesse ano, a editora Nova Fronteira, lançou um livro que marcou minha vida profissional para sempre. O livro, de autoria do premiado jornalista australiano, Philliph Knigtley, intitulado ‘A Primeira Vítima: da guerra da Criméia ao Vietnã’ (hoje em dia esgotado) vinha com subtítulo muito sugestivo: ‘O Correspondente de Guerra como Herói, Propagandista e Fabricante de Mitos, da Criméia ao Vietnã’.
Veja aqui o livro de Knigjtley
Knigtley narra em seu livro o surgimento do primeiro correspondente profissional que foi enviado e remunerado pelo jornal londrino Time, para cobrir, in loco, a guerra da Criméia e daí para frente analisa a participação dos jornalistas em todas as guerras até o Vietnã. No texto você vai descobrindo a intrincada relação entre jornalismo e poder militar e das muitas relações subterrâneas que colocam em dúvida a veracidade das informações que você recebe, todas as manhãs, ao ver e ler o site do seu jornal preferido ou o noticiário de sua preferência. Philliph Knigtley, o próprio, foi editor-chefe da revista literária de Bombaim (India), ‘Imprint’ . Ele soube muito mais tarde que a ‘Imprint’ era financiada pela CIA. Por isso acabou se especializando na cobertura dos vários serviços de espionagem por diversos países.
O Dragão da maldade e Pedro o Grande
Outra dimensão da guerra se passa agora entre o novo Pedro, o Grande versus Zelinsky, o Servo do Povo. Essa guerra atinge a todo o planeta e causou neste último ano, série crise econômica que fez com que a inflação, aqui na terra dos Três Mosqueteiros, atingisse a cifra superior a 10%. A inflação na conta de energia elétrica passou de 50% por aqui e a classe média francesa busca todo tipo alternativo de energia para economizar. Vi ontem, num noticiário da France 3, que estão usando por aqui um novo tipo de fogão econômico (lembram? aquele a carvão) só que usa agora uns pitocos feitos de pó de serra de madeira.
Hoje a arte de flanar foi pequena (não em distância) mas apenas caminhar pelas ruas. Após almoço fomos até a ‘Acuitis’, uma ótica que vende armação, lentes e consulta tudo por preço único. A loja fica na esquina da Rue de Renne e Boulevard Raspail. Fomos com o 68 e voltamos à pé uns 4 km mais ou menos, pelo boulevard Raspail.
O bom de flanar é que você vai descobrindo no trajeto restaurantes baratos e observando as fachadas dos prédios, principalmente os do início do XX, destinados aos pintores. Vários desses edifícios que se vê da rua tem pé direito de uns 5 metros, todos envidraçados para entrada da luz natural. Outro detalhe na caminhada são as inúmeras floriculturas que você cruza no percurso.
E o melhor é encontrar 2 Bouillons, isto é, gênero de restaurante de comida francesa tradicional com salões muito grandes e preços pequenos. Por isso você sempre encontrará filas imensas nas portas. O preço é atrativo principalmente nesses tempos de crise somado a inflação. Aqui, como aí, a inflação foi grande e os salários também não tiveram aumento não. Nossos amigos da universidade reduziram em muito as saídas para comer em restaurantes ou para um café.
Para aqueles que virão a Paris indico no boulevard Montparnasse dois ‘bouillons’ tradicionais. O antiquíssimo ‘Bouillon Chartier’ (um prédio art nouveau maravilhoso) quase na esquina do boulevard com rue de Renne e um relativamente novo chamado ‘Le Petit Bouillon Vavin’, esse último quando passamos estava vazio, pois, eram mais de 4 da tarde.
Feiras, lojas, comidas e uma janela indiscreta em Paris
Descendo o boulevard Raspail, duas quadras após passar Montparnasse, à esquerda fica o belíssimo prédio da ‘Fundatiton Cartier’ que traz excelentes exposições de arte contemporânea. O Cartier, o que fundou a relojoaria era almssíssimo do Santos Dumont e, como comentei aqui dias atrás, foi ele quem fabricou o primeiro relógio do mundo (olha que chic) de pulso à pedido de Dumont para facilitar que ele visse as horas quando estivesse contornando a Tour Eifel com seu 14 bis.
A noite fomos ao cinema, um complexo de salas da ‘Pathé’ que fica perto do apê, a umas quatro quadras na avenue Gal. Leclerc para assistir ‘La Femme de Tchaikovski’ um filme plasticamente maravilhoso. Se não viu, assista (não sei se está passando no Brasil) é um filme que mistura a realidade e a loucura de um amor sem limites.
Amanhã tem mais.