Texto e foto de Marcus Ozores
Minhas amigas, meus amigos desse espaço virtual. Hoje a manhã me despertou com o sol majestoso no céu de Paris, mas durou pouco tempo. Aos poucos as nuvens começaram a bailar com o vento e, em questão de minutos, as névoas que até então bailavam isoladas foram se agrupando e vi no céu o Bucéfalo, o cavalo de Alexandre, outra dança e aparece o porquinho Prático, da fábula dos Três Porquinhos, do australiano Jacobs, alguns minutos depois e surge Chapeuzinho Vermelho, obra dos irmãos Grimm.
A melhor parte foi a cabeça da Lebre de Março, companheira inseparável do Chapeleiro Louco que se reúnem para comemorar o desaniversário da Alice. Como a previsão da France Meteo previa chuva para tarde (o que não ocorreu) resolvi não sair do apê a não ser para compra no Carrefour que fica a poucas quadras daqui e trombei com montanhas de lixo.
Com a preguiça de Macunaíma, continuei deitado no sofá observando o céu e na medida que o vento aumentava ou diminuía as nuvens formavam figuras humanas e de animais, parecia até que o céu emitia os acordes da ‘Dança Macabra’ de Camile Saint-Saens. Conforme as figuras iam aparecendo, lá no alto, me lembrei que na Grécia Antiga os sacerdotes, do templo de Apolo, praticavam a Nefelomancia para interpretar o futuro. Nefelomancia é uma palavra de origem grega, onde nefelo significa nuvem, e mancia, adivinhar. Nefelomancia, portanto, é a arte de adivinhar o futuro observando a forma das nuvens.
Lembro que quando era criança minha mãe, em dias de ventania, estendia uma colcha sobre a grama do quintal e colocava eu e meu irmão mais velho deitados, olhando para o céu. A brincadeira entre nós era ver quem mais descobria bichos esquisitos e figuras humanas estranhas. Passávamos horas, os três deitados, e eu gritava apontado para o céu onde estava o Cérbero, o cachorro de três cabeças que guarda a entrada do mundo inferior à espera dos mortos. Vi de tudo, vi dinossauro rex, tartaruga, velho do mar, bruxas aos montes, cabeças de pássaros e tanto tanto mais que minha memória já não consegue encontrar em quais dos escaninhos que está perdida memória da infância.
Ai vocês se perguntarão o que esse escrevinhador pretende com seu diário hoje. Bem vou tentar explicar. Minha angústia começou no jantar de ontem que estava maravilhoso, pois, foi absolutamente frugal. Ostras, vinho Muscadet (não há vinho melhor que esse para acompanhar frutos do mar) e queijos de sobremesa. Num determinado momento da conversa – que estava ótima – fiz um breve comentário da minha preocupação diante do estado de tensão que a Europa vive nesse momento com a guerra da Rússia X Ucrânia que completou seu primeiro desarniversário, segundo o Chapeleiro Louco. Meu temor é que alguém – pode até ser desapercebido – aperte um botão errado e daí todos nós, inquilinos da Gea, estaremos em perigo real e imaginário. Além do mais, tenho motivos de sobra para não acreditar na bondade da natureza humana em defesa da razão. De estalo me lembrei que meu amigo Celso Arruda, que está na Alemanha, visitando filha, numa cidadezinha perto de Frankfurt, me escreveu semana passada dizendo que todos os celulares da cidade receberam, ao mesmo tempo, mensagem para que a população participasse de exercício de evacuação, assim me parece. A mensagem ocorreu no mesmo dia que a Rússia havia realizado grande ataque a Ucrânia e disparado dois misseis ultrassônicos (desses que não existe barreira).
Comentei ainda durante o jantar que, até o momento, os países envolvidos na guerra – que está atingindo a vida econômica de todo o continente europeu – não falam em paz mas apenas na continuidade da guerra e que a OTAN ao invés de procurar caminho para paz, muito ao contrário vem enviando cada vez mais armas para continuidade do conflito. No momento em que emiti minha opinião sobre o andamento da guerra e que deveria acabar o mais rápido possível, senti da parte da anfitriã uma negativa. Para ela a guerra só acabará com a derrota da final de Putin e da Rússia. Como a Rússia nunca perdeu nenhuma guerra na sua história dentro das suas fronteiras parei de argumentar pela paz.
Nesse momento achei que estava na hora das despedidas, agradecer o delicioso jantar e voltar para o apê, debaixo de chuva fina que caia. Conforme caminhava, sob a luz mortiça dos postes da rua, comecei a lembrar da bibliografia lida, sobre a I Grande Guerra, e como começou. As nações envolvidas na guerra, iniciada no dia 28 de julho de 1914 enviaram milhões de jovens para o front, sendo a grande maioria entre 18 e 20 anos. Lembro de um documentário francês com imagens captadas na Gare de l’Est mostrando trens abarrotados de jovens com as cabeças fora das janelas cantando a ‘Marseillaise’. Todos achavam naquele momento que a guerra acabaria em poucas semanas. Quatro anos depois, no dia 11 de novembro de 1918, na assinatura do armistício, 30 milhões de jovens soldados haviam perdido a vida nos campos de batalha. Nesse número não estão os números de civis mortos.
Sou um pacifista incondicional e vejo com certa desilusão que as pessoas estão mais preocupadas com seus próprios umbigos, prisioneiras dos smartphones, compartilhando dores e sentimentos para grupos fechados, nas mídias sociais, embriagando-se com o seu Eu mesmo! Vejo com tristeza o esgarçamento da delicadeza em pequenas ações do cotidiano, mas não pretendo enumerá-las aqui.
Olho pela janela do apartamento e duas pombas pousaram nos galhos da arvore defronte a janela do apartamento. Talvez tenha percebido minha angústia nesse dia ventoso e nuvens dançantes que me levaram a compartilhar com voces minhas pequenas angustias humanas. Daí volto a olhar para o Céu na busca de encontrar na Nefelomancia uma resposta para as perguntas que me afligem nesse final de estadia em Paris.
Depois de buscar resposta nas nuvens decido recorrer a Bernardo Soares para que me ajudar a encontrar uma resposta e ele me envia um zap do correio do céu que diz:
“Todos os problemas são insolúveis.
A essência de haver um problema é não haver uma solução.
Procurar um facto significa não haver um facto.
Pensar é não saber existir”.
*Bernardo Soares é heterônimo de Fernando Pessoa do “Livro do Desassossego”.