Diários Maranhenses
Texto e Foto de Marcus Ozores
Essa noite que passou sonhei que estava perdido no deserto e via miragem de lindas odaliscas dançando a dança do ventre no meio de uma plantação de tamareiras, em algum oásis no deserto do Saara. E quando avistava o poço d’água a miragem desaparecia e eu continuava caído nas areias do deserto. Acho que o solão na cabeça durante a visita da Lagoa Azul deu algum curto-circuito nas ligações elétricas do meu cérebro.
Confesso que o sonho foi tão real que, em determinado momento, eu me vestido como Ibn Batuta, um marroquino nascido em Tanger, no Marrocos, em 1304 e falecido em algum lugar Merinida em 1369. Ibn Batuta foi geógrafo, cartógrafo, mercador, amansador de camelos, mágico, afiador de facas, filosofo, historiador e muitas outras cositas más. Ibn Batuta deixou sua cidade natal, em 1325, em direção à Meca atravessando o Saara e todos os países de confissão islâmica. Batuta voltou a Tanger em 1353 depois de percorrer à pé, camelo, cavalo, barco etc etc mais de 120 mil quilômetros. Acho que o sol fez mal para a massa encefálica.
E No caminho tinha uma vaquejada
Acordei e, como previsto, sem vaga para mais um pernoite em Barreirinhas, decidi pegar no volante e regressar a São Luís. Também, não era para menos, afinal um paulista branquelo desavisado não sabia que desde ontem, sexta-feira, dia 21 começou a maior e mais importante Vaquejada de todo o nordeste que tem sede onde? Barreirinhas, é claro! Mais uma vez o desavisado não sabia. Mico total.
Bem, já que deixei Barreirinhas pela manhã agora posso falar mal – não dos passeios que recomendo a todo mundo – mas da cidade. Nunca vi cidade tão feia na minha vida. E olha que quem mora em Sampa não pode falar mal de outras cidades haja visto a destruição da cidade de Oswald de Andrade.
Cuidado: Barreirinhas não tem semáforo, nem mão, não tem contramão
Pois bem, em Barreirinhas não tem semáforo, não tem mão, não tem contramão, não tem guia, não tem sarjeta, ninguém usa capacete em moto e você chega a ver família formada por pai, mãe e três filhos dependurados na moto, todos sem capacete. Como o transporte intermunicipal é feito por caminhonetes adaptadas com três ou quatro fileiras de cadeiras alinhadas na caçamba é comum encontrar passageiros com as pernas de fora do veículo em plena rodovia. Hoje, no retorno, inclusive, estava eu dirigindo na velocidade constante dos meus 60 km por hora quando, da caçambada da caminhonete da minha frente, despencam quatro caixas de plástico de cervejas na pista. Minha sorte é que estavam vazias. O dono simplesmente não passou a corda nelas e nem parou para resgatá-las da estrada.
‘Dirigido por Deus’
Porém, descobri uma coisa muito importante. Dessas caminhonetes velhíssimas (tem muitas que são os utilitários Bandeirantes adaptados. Como esses veículos deixaram de ser fabricados, há uns trinta anos, voces tirem a conclusão). Mas descobri o segredo do sucesso. 99% desses veículos ostentam no para-choque a frase: ‘Dirigido por Deus’. Ai entendi tudo. Acho que a OS do Senhor é quem fornece os motoristas desses utilitários e por isso tudo anda bem e haja ‘Deus lhe pague’, ou assim espero.
Como a temporada da seca aqui no Maranhão teve início esse mês julho, durante os 260 km de volta, até São Luís, é comum observar várias lagoas que ainda não secaram cobrindo os pastos e os campos de futebol. Depois dessas cenas acho eu, com meus botões, que o futebol de várzea no interior do estado só ocorre de seis em seis meses, isto é, só quando as lagoas secam. Deixo essa questão para que o Tommy, do IB da Unicamp, possa me esclarecer.
‘Aqui é o PCC ?!’
Na vinda e na volta do trajeto entre São Luis – Barreirinhas o turista passará obrigatoriamente em frente ao complexo presidiário de Pedrinhas onde ocorreu o massacre de presos, com cenas de canibalismo, em 2014. Muito embora a situação do presidio tenha melhorado muito, nas duas administrações do Dino como governador, o resquício desse massacre é que o PCC ganhou. Para comprovar o que se lê nos diários e se vê e ouve nos noticiários de tv é que a maioria das placas ao longo dos 260 km estão com a inscrição ‘Aqui é o PCC’. Coisas de Brasil e não me alongarei mais sobre o tema, apenas coloquei aqui para constatar mais uma vez a incapacidade para o Estado se mostrar presente e atuante.
Bem, após quase quatro horas de viagem – nunca passo dos 80 – cheguei à Ponta d’Areia no hotel Veleiros, muito bem localizado. Após almoço desfiz as malas e no final da tarde caminhada na orla dessa ponta de terra que avança o mar. É aqui que fica o Champ Mall que comentei dia desses aqui para voces. A caminhada do hotel até o istmo do ‘finis terre’ dá uns 2 km mas a vista é simplesmente de tirar o fôlego. Acho que é o por de sol mais lindo que vi na vida. Como a prefeitura ou governo do estado fizeram grande investimento creio que metade da cidade vem aqui com filhos nos fins de semana.
Essa ponta d’Areia é o paraíso das crianças que vem para andar de bicicletas, triciclos, e carrinhos elétricos. Na caminha até o pontal vi dezenas de ‘Barbies’ com vestidos rosa dirigindo Mercedez rosa, jovens candidatos a Airton Sena, e centenas de meninas de cabelos compridos, posando contra o por sol, para seus namorados registrarem o momento inesquecível. O que me chama atenção nessa mania de selfies é porque as moças sempre levantam um pezinho do chão, como se posassem para capa da revista Vogue já que, contra o sol, ninguém conseguirá ver pezinho nenhum. Cada tempo tem suas manias. Nos anos 70, do século passado, a moda era cabelo comprido e eu, por exemplo, no jardim de infância da Unicamp, usava cabelo até a cintura com banda na cabeça para o cabelo não voar.
Salve Ibn Batuta, o mestre de todos os caminhantes do mundo.
Amanhã tem mais.