Periódico hebdomadário ou quando tiver vontade de escrever
Texto e fotos de Marcus Ozores
Hoje é 7 de março em Paris e os deuses resolveram fazer as pazes com os humanos nos brindando com três dias seguidos de sol e céu azul (prefiro omitir o recorrente literário ‘céu de brigadeiro’ para evitar possíveis comparações políticas com fatos políticos recentes, em Terras de Pindorama, desde o domingo 8 de janeiro).
Com aproximação do final do inverno os dias vão vão se espichando e os amanheceres encurtando. Daí saltei da cama cedinho, apesar da temperatura externa de 3 graus. Fiz café fumegante e me sentei frente ao ‘laptop’ para ler as notícias dos jornais – primeiros os franceses e em seguida os de Pindorama.
Liguei o rádio numa estação latina e a primeira música que ouvi foi ‘Encontros & Despedidas’ de Milton Nascimento e Fernando Brandt. E olha que não sou ligado nessas coisas de coincidências. A segunda estrofe da música diz: ‘Todos os dias é um vai e vem/ A vida se repete na estação/ Tem gente que chega pra ficar/ Tem gente que vai pra nunca mais’.
E como meu voo, de retorno ao Brasil, está agendado para sábado achei que estava mais que na hora de concluir meu relato – mais ou menos hebdomadário – de Paris e despedir da cidade e dos amigos e amigas que me acompanham durante esse tempo em que estive ausente da minha ‘República Livre Anarquista dos Tupinambás de Barequeçaba’.
Já relatei outras vezes, que o que me encanta em Paris é a liberdade para caminhar horas seguidas. Com exceção de quatro morros Paris é uma cidade plana com calçadas larguíssimas, arborizadas que nos convidam a flanar pelo eu passadiço.
Caminho horas seguidas sem rumo e sem destino e muitas vezes essas longas caminhadas chegam a perfazer quase 10 km.
O melhor de tudo é andar sem destino e sem se preocupar com uma moto ou bicicleta que freia abruptamente ao seu lado.
Discorrer sobre liberdade para mim aos 71 anos, é poder caminhar e sentar, num banco do jardim, ás dez horas da noite, ou voltar a pé para casa, depois da meia noite, quando as linhas de metrô não funcionam mais.
Prazer maior é caminhar à beira do Sena, numa noite de lua cheia e acompanhar o reflexo do planeta azul nas águas escuras do rio. Prazer ainda maior é saber que ninguém precisa de automóvel para se locomover por aqui. 65% dos parisienses não possuem carro particular e, mesmo assim, o trânsito é caótico tendo piorado muito, nesses últimos meses, pois, a cidade está em obras preparando a infraestrutura para os Jogos Olímpicos, que começam 26 de julho.
Vendo a cidade toda esburacada – e sendo brasileiro – coloco em dúvidas que as obras estarão prontas até a data da abertura dos JO, porém, e como toda história tem um porém vou acompanhar os jogos à distância, sentado nas areias monazitas de Barê, saboreando uma geladíssima água de coco.
Bem, no último dia de fevereiro, dia 29 – aliás data de nascimento da minha mãe nascida no ano bissexto de 1929 – fui à Opera Bastille assistir a ‘avant premier’ da montagem ‘Anjo Exterminador’ com música do compositor britânico contemporâneo Thomas Adès. O libreto é baseado no filme surrealista, de 1962, o espanhol Luis Buñel. A direção da Opera Bastille decidiu apostar nessa temporada 2023 / 2024 em criações próprias sendo que a primeira ocorreu, ano passado, com o título ‘O projeto de Dante’. ‘Anjo Exterminador’ baseado no filme de Buñel, lançado em 1962, essa película foi ícone para minha geração no Brasil, na década de 1970, conta a história de 15 convidados para um jantar que não conseguem sair do salão de recepção e o tempo passa por um processo atemporal e angustia cresce.
Como no cinema, a opera transmite sensação de agonia junto ao público que se sente aliviado quando a imensa porta da sala de jantar finalmente se abre e os convidados enfim -quase todos despidos – saem do salão em direção a luz, a música vai abaixando e termina o espetáculo.
Aproveito para fazer aqui um pequeno parêntesis. O espetáculo operístico está mudando em todo mundo, como tudo o que conhecíamos, aliás. Explico:
o glamour de décadas atrás que víamos aqui em Paris numa apresentação dessas com senhoras e senhores elegantemente vestidos com saias longas, paletós, gravatás, chapéus, estolas de peles, penteados elaborados, unhas pintadas, perfumes pelo ar etc, etc, etc cedeu lugar ao ‘american way of life’ e as roupas ficaram mais leves, mais soltas, informais e grande maioria das pessoas usando tênis nos pés. Outros tempos, outros valores e vida que segue. Casa cheia, isso é o melhor que Opera de Paris nos oferece sempre e espetáculos inesquecíveis.
No dia seguinte, 1 de março, os humanos e os deuses não se entenderam e choveu à cântaros por aqui. Mas isso não foi o impeditivo para um programa diferente e divertido. Às 19h00 fui á sede do Partido Comunista Francês, no 20éme arrondissement ouvir Maïte Louise cantar velhas ‘chansons’ parisienses, antes tão comum nos bares e aos poucos vão desaparecendo e virando fotos velhas penduradas nas paredes dos bares e cafés da cidade. Acompanhada de órgão e contra baixo o programa durou hora e meia com sala lotada de velhos companheiros e companheiras de cabelos brancos e alguns imigrantes da África do Norte que sempre encontram acolhida e amizade entre os velhos comunistas.
Uma noite divertida e o que mais me chamou atenção que os velhos companheiros e companheiras estão se dedicando a alimentação natural e bebida natural. O chopp servido no local, a 2 euros o copo, era de fabricante de um vizinho da sede regional do PCF assim os acepipes dispostos na mesa para os convivas. Sai de lá com grupo de amigos e fomos em pequeno restaurante do bairro de coloração diversa comer meu prato preferido o ‘steak tartar’. Chegamos molhados no restaurante e ficamos lá até a tromba d’água passar.
Na ultima segunda, dia 4, fui a cidade de Saint-Germain-em-Laye, distante 20 km de Paris, onde está localizado o museu arqueológico de Paris. O trajeto de 40 minutos pelo RER deixa o passageiro na porta de entrada do museu e do imenso parque que foi construído pelo Luis XIV, antes de se mudar definitivamente para Versailles que mandou construir. Aliás, Luis XIV, conhecido por ‘Rei Sol’ nasceu aqui nesse castelo e, na minha modesta opinião, deveria ser conhecido pela alcunha de ‘Rei Jardineiro’.
Afinal os jardins tanto desse castelo – que é um dos mais antigos da França e residência dos reis até Luis XIV – e os jardins de Versailles, ambos foram mandados construir por ordem de Luis XIV e são de uma beleza indescritível e os mais belos da Europa. O castelo fica no alto de um promontório de onde se avista Paris tendo em primeiro plano ‘La Defense’ e bem ao longo a ponta da ‘Tour Eifel’.
O museu propriamente dito é pequeno com peças arqueológicas da era das cavernas até a era do ferro com enfoque nos gauleses e nos invasores romanos. É museu importante pela exposição didática e frequentado por estudantes das escolas públicas.
Se você vier aqui – eu não o conhecia – não se esqueça que na saída desse lindo castelo tem uma porta que dá acesso à capela real, de uma beleza arrebatadora pelos vitrais, como paredes de vidro que permitem a luz do sol entrar como se luz divina. Os vitrais da Saint-Chapelle ao lado do Palácio da Justiça de Paris, esses são inigualáveis, por isso, não espere tanto assim quando vier por esses lados.
Como na música de Milton e Fernando Brandt todo o dia é um vai e vem, tem gente parte, tem gente que chega, tem gente que fica. Está na hora de me despedir.
Antes de colocar um ponto final nesse último hebdomadário, enviado de Paris, um último comentário sobre Terras de Pindorama. Lembro que em 1978, era editor da área de internacional do jornal Diário do Povo, em Campinas. Lembro-me que era 18 de novembro e as três agencias internacionais que o jornal assinava a UPI,AP e France Presse começaram a cuspir, das máquinas de telex, curtas notícias e atualizadas de meia em meia hora (não existia celular, internet, transmissão por satélite nada disso naqueles tempos) descrevendo as cenas de um assassinato suicídio coletivo, de aproximadamente 800 pessoas, ocorrido dentro da floresta amazônica, da ex-Guiana Inglesa, numa fazenda-igreja denominada ‘Templo do Povo’.O templo pertencia a uma seita de orientação neopentecostal, comandada dedes 1958, pelo messiânico Jim Jones que preferiu denominar esse ato desesperado, em busca do reino dos céus, como ‘suicídio revolucionário’. Os 800 crentes beberam veneno, já o falso Messias Jim Jones deu um tiro na cabeça.
Porque me lembrei do episódio de Jim Jones, ao finalizar esse meu diário? perguntarão os leitores já sabendo, de antemão a resposta.
No domingo, dia 25 de fevereiro, acompanhei daqui de Paris, via Youtube, as manifestações na Paulista comandadas por um pastor neopentecostal destemperado, um falso Messias derramando lágrimas de crocodilo com medo de ser preso, uma louca gritando obviedades rastaquera e o coro das Bacantes dizendo amém. A lembrança do ‘suicídio revolucionário’ de Jim Jones foi imediata e real.
Texto e Fotos de Marcus Ozores Hoje é segunda feira, 12 de fevereiro de 2024, um dia especial que o nosso astro Rei resolveu aparecer para os comuns viventes e dar o...