Cantinho da Priscila Siqueira

A mulher e o preconceito religioso

Texto Priscila Siqueira, foto Marcus Ozores 

Tomem cuidado!!!  A mulher é um bicho perigoso: traiçoeira, cativante, que – com sua sexualidade –  leva o homem ao mau caminho…

Não foi assim que nos ensinaram, mesmo que inconscientemente? Afinal, a leitura do texto de Gênesis diz que Deus criou homem, o macho. Como estava triste e solitário no Éden, Deus fez da costela de Adão uma mulher para ser sua companheira.

Mas daí, o que aconteceu?! Eva pôs tudo a perder, já que o tentou com o fruto do Podre Poder da Árvore do Bem e do Mal!!! Então, na história da humanidade,  Deus só fez o Bem. O Mal é obra da mulher…

Santo Agostinho chegou a se questionar o porquê de Deus não ter feito outro homem, se Adão estava precisando de companhia, de alguém para conversar…

Conforme o pesquisador Jack Holland, “O mito da criação como é contada em Gênesis está agora no centro das crenças de dois bilhões de cristãos, em 260 países, ou seja, um terço da população do mundo herdou um mito que culpa as mulheres pelos males e sofrimentos do homem”, (Misoginia, o Preconceito mais antigo do mundo)

Afrodite, Pan e ErosFoto de Marcus Ozores
Afrodite, Pan e Eros Foto : Marcus Ozores (janeiro de 2024)

E qual a consequência dessa maneira de pensar que nos é incutida principalmente pela cultura religiosa?
A violência contra a mulher é um fato universal. Em nosso País os dados são alarmantes: de três em três minutos, uma mulher é agredida fisicamente no território brasileiro. Daí, resultarem cerca de 13 mortes de mulheres diariamente, quase sempre causadas por seus companheiros, ex companheiros ou pessoas conhecidas delas.

Tal violência ou repúdio à mulher faz parte de nossa cultura. Haja vista a visão de diversas religiões sobre ela, mesmo que afirmadas em tempos passados:
“Bendito seja Deus que não me fez nascer pagão. Bendito seja Deus que não me fez nascer mulher. Bendito seja Deus que não me fez nascer escravo”
Oração judaica antiga, no mais tardar do século 1DC, conservadas em três obras rabínicas.

“Deus Todo Poderoso criou o desejo sexual em dez partes: então, Ele deu nove partes para a mulher e uma, para o homem.”
Ali ibn Abu  Talib, marido de Fátima, filha de Muhammad, fundador da seita xiita.

“O que é a mulher senão a inimiga da amizade? (…) Uma inevitável punição, um mal necessário, uma tentação natural”.
Inquisidores dominicanos, Henrich Kramer e James Sprenger, no livro “Martelo das Feiticeiras”.

A causa de tanta violência contra a mulher sempre me intrigou. Freud dizia que a mulher tinha “Inveja do Pênis”. Claro que era para ter: O irmão que nascia com esse adendo biológico tinha privilégios que menina nenhuma tinha ou tem. Creio que essa “inveja” provém de um fator social e não é inerente à psicologia feminina.

Já o frei dominicano e psicólogo Barruel Lagnest, op, dizia que a inveja era do homem pois quem trazia vida ao mundo é a mulher, coisa que ele não podia fazer. O psicanalista Deocleciano Bendocchi Alves vai mais longe: a “inveja” do homem em relação à mulher, é ele que fica excluído da relação mãe/cria quando essa mulher está feliz e realizada com a gestação.
Será que essas frustrações são as responsáveis pelo violência contra a mulher?!…

“Homem e Mulher, diferentes sim, mas iguais em Dignidade!

Veja : Até do conceito de Deus, tiraram o feminino. Deus é Pai, homem, macho. A mulher não participa da Divindade. Isso apesar de sabermos que “Espirito Santo -masculino- é a tradução latina para RUAH, palavra Aramaica, língua falada por Jesus, e que queria designar o feminino de Deus.

João Paulo I já dizia; Deus é mais Mãe do que Pai. Francisco tem advertido sobre a masculinização da religião e da Igreja. Ele clama que devemos recuperar o feminino em nossa religião. Sua primeira palavra em janeiro desse ano, foi alertando sobre a violência à mulher.

Viva!! Se as religiões se abrirem para o Feminino, novos tempos virão, com mais equidade, respeito e amor. Nesse oito de marco, Dia Internacional da Mulher, somos embalados pela esperança de que esses novos tempos estão chegando onde todos seres humanos serão respeitados como cidadãos e Filhos de Deus.

É isso aí, amigos e amigas, como dizia Dom Helder Câmara, “Homem e Mulher, diferentes sim, mas iguais em Dignidade!

Priscila Siqueira

Paranaense, nascida em 1939, Priscila Siqueira formou-se em jornalismo na antiga Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil, na cidade do Rio de Janeiro. Agora aposentada, trabalhou por muitos anos na Grande Imprensa nacional :Agência Folha de São Paulo, Agência Estado (jornais O Estado de S.Paulo, o extinto Jornal da Tarde e Rádio El Dourado) e no jornal Valeparaibano. Como jornalista teve a oportunidade de presenciar a expulsão dos caiçaras - o caboclo do litoral - de suas praias pela especulação imobiliária, decorrente a abertura da Rodovia BR 101, no seu trecho de Santos - Rio de Janeiro. Dessa experiência, surge seu primeiro livro “Genocídio dos Caiçaras“, em 1984. Jornalista especializada na questão ambiental, cobriu a Constituinte do Meio Ambiente de 88. Como ativista ambiental, foi uma das fundadoras da SOS Mata Atlântica, Movimento de Preservação de São Sebastião- MOPRESS e presidente da Sociedade de Defesa do Litoral Brasileiro. Em 1996, participou do Congresso Mundial contra a Exploração Sexual Comercial de Crianças e Adolescentes, na cidade de Estocolmo realizado pela rainha Sílvia da Suécia e a UNICEF- Nações Unidas para a Infância. Foi professora na antiga Escola Normal de São Sebastião, além de dar aulas no Centro Universitário Salesiano de São Paulo- UNISAL, e na Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo- FESPSP, em cursos de pós graduação lato sensu, sobre a Violência à Mulher, Prostituição Feminina e Tráfico de Mulheres e de Meninas.

Artigos relacionados

2 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo