
🏝 O Rei da Cocanha
por Liv Soban
Oi, Babbo, tudo bem?
Olha eu aqui de novo. Faz tempo que não escrevo para você e já estou atrasada nessa carta. Já faz algumas semanas que a nossa Praia Cocanha está representando o Brasil no prêmio Best Tourism Villages, da — nada mais, nada menos — ONU Turismo.
Esse prêmio foi criado para reconhecer localidades que promovem o turismo sustentável e valorizam a cultura local e a participação ativa da comunidade.
Pois é, Babbo, a nossa Cocanha está ganhando atenção internacional. Aquela mesma onde nos banhamos naquele mar verde que te abraça. Aquela que nos deu tanto amor, tantas risadas e tanto afago nos dias de solidão e dor.
É nela, aliás, que hoje você vive. Quando virou mar, em seu último ato aqui na Terra, você virou mar da Cocanha. Todas as vezes que chego no Brasil, a primeira coisa que quero é mergulhar em você. Descer a estrada da Tamoios, colocar as coisas em nossa casa e ir te ver. Me banhar de Babbo, para me preencher de amor e sabedoria.
O mundo anda meio estranho, sabe, Babbo? A gente não entende muito bem o que leva tanta gente a gastar tanta energia para destruir os outros — ou a si mesmos. Por isso é que acho esse prêmio um dos mais importantes: porque ainda há oásis onde podemos nos desplugar e nos reconectar. Oásis que nos permitem humanizar. E como a gente anda precisando se humanizar…
E a Cocanha é um desses oásis. Algo que a gente sempre soube.
Nunca me esqueço de quando eu te sugeria que deveríamos viajar mais. E você respondia:
— Figliola, eu já conheci bastante lugares, viajei muito já. Não tanto quanto a maioria das pessoas, mas o suficiente pra mim…
Você parava por um minuto, contemplando a vista — como se fosse um convite para eu ver com os seus olhos — e continuava:
— Olhe para isto. Olhe para esta perfeição. Para mim, este é um dos lugares mais lindos do mundo. E eu não preciso de mais.
Em um minuto, você me dava uma lição de sabedoria, humildade, presença e satisfação. Como alguém pode ser satisfeito com algo que tem todos os dias? Num mundo em que ninguém nunca está satisfeito com nada?
Você e a Cocanha tinham isso. Vocês se bastavam.
Acho que essa sua satisfação deveria ter sido clonada. Ou, quem sabe, virado curso. O que mais vejo — e me incluo — é gente que está sempre buscando algo a mais, fugindo do agora. Até as experiências mais presentes viraram cenário para fotos posadas que serão usadas em posts futuros. Nada mais é vivido como é. E, dentro dessa narrativa fabricada, não existe satisfação plena com o que se tem.
E você era satisfeito. Satisfeito com o que tinha, com o que comia, com o que bebia, com o que ria, com o que chorava. Para mim, uma das lições mais lindas que eu já recebi foi a de que temos que ser príncipes e princesas da nossa própria taça.
— Figliola, eu vejo pessoas comprando copos de vidro mais caros do que elas podem pagar. Daí, se o copo quebra, elas brigam com quem quebrou, ficam bravas, blasfemam, cobram o copo, não convidam mais a pessoa… quando isso acontece, a coisa virou maior que o ser humano. O objeto passou a valer mais do que a pessoa. O mesmo vale para o seu carro, o seu móvel, tudo o que você tem.
— Por mais que você sonhe com algo, nunca compre aquilo que é maior do que o seu bolso, porque, caso você o perca ou quebre, você não ficará magoada. Você tem condição de comprar outro. Afinal, é só um objeto. Compre taças de vidro que possam ser quebradas. Pratos, televisão, sofá que possam ser riscados, manchados… Um príncipe tem taças de cristal e pode quebrá-las quanto quiser, porque, para ele, aquela taça é só algo que o serve. Tudo é coisa. E nunca coloque uma coisa acima de alguém de carne e osso. Nunca.
Se existe algo mais nobre do que esse ensinamento, eu não sei, Babbo. Mas devia virar cartilha. Camiseta. Estampa de outdoor. “Os Aprendizados do Babbo, o Rei da Cocanha.”
Aliás, o nome do nosso paraíso particular — que já nem é mais tão particular assim — vem de longe. Segundo o livro Cocanha: várias faces de uma utopia, do Hilário Franco Jr., Cocanha era uma terra utópica de abundância. Um lugar imaginário onde comida, bebida e prazeres caíam do céu. Onde não havia trabalho. Onde todos permaneciam jovens, livres e sem preocupações. Um desejo coletivo por uma vida sem esforço, sem escassez, sem medo.
E você, Babbo, enquanto habitou essa nossa Cocanha, foi esse rei. Um rei que viveu com gana, com vontade, com presença — até o fim.
Trecho do livro O Encantador de Pessoas
“A primeira lembrança que tenho da minha vida é a Cocanha. A Praia da Cocanha. Se há algo que sempre existiu em minhas memórias foi a sua areia clara e o mar calmo, verde tropical, uma das mais bonitas de Caraguatatuba, município no litoral norte de São Paulo. (…) Quando me perguntam se tenho uma casa, se tem algum lugar em que me sinto em casa, este lugar é a Cocanha. Lá é onde meu coração se expande e a minha alma se encontra. (…) Ao entrar nesse mar, parece que tudo faz sentido. O tempo deixa de existir, a vida passa lentamente e não há guerras, fome ou qualquer outra desigualdade. Na Cocanha, não há nada além da felicidade e do amor.”
Fonte: Praia da Cocanha é selecionada para representar o Brasil em prêmio da ONU Turismo