Por Marcus Ozores
Diário do ano da Peste de 2021 ( escrito no dia 10 de agosto)
Hoje é terça feira, dia 10 de agosto e continuamos firme aqui na nossa República Anarquista dos Tupinambás de Barequeçaba lançando nossas granadas contra o besteirol nacional com o “Só a poesia nos Salvará”.
Hoje após ver, ouvir, ler os episódios protagonizados em frente ao Palácio Nacional eu me lembrei de um livro lançado em 1888 intitulado “O homem que queria ser rei” escrito pelo indiano britânico e prêmio Nobel de literatura, Rudyard Kiplling.
O livro narra a história de dois rudes ex-soldados britânicos, expulsos do exército, que no século XIX que se dirigem à Índia, então sob domínio da Grã-Bretanha, em busca de aventuras e riquezas e acabam se tornando reis do povo da longínqua e inexplorada região do Cafiristão, onde nenhum homem branco havia posto os pés desde Alexandre, o Grande. Os dois ex-soldados foram considerados seres divinos pelos habitantes locais, até serem desmascarados pela noiva escolhida para o ex-soldado Drevot, a linda nativa Roxana, que mordeu a orelha do seu noivo na noite de núpcias e viu que ele sangrava. Portanto, conclui não era divino.
E hoje no Planalto do Planalto vimos uma cena no mínimo patética estrelada pelo capitão que quer ser ditador promovendo um desfile de caminhões e tanques de guerra que pareciam sucatas, a valer a quantidade de nuvem negra de diesel que s veículos despejavam na atmosfera. O nosso Kim Jon Un tupiniquim mais parecia Vitorio Gassman no papel do comandante frente a incrível armata de Brancaleone. Hoje o Planalto parou para assistir a uma commedia de l’arte apresentada por uma troupe mambembe como teatro itinerante medieval
E para tentar esquecer esse espetáculo do mal gosto que Brasilia foi obrigada a assistir apresento a vocês a poeta Márcia Wayna Kambeba, da etnia Omágua Kambeba, nascida em 1979, na aldeia Belém dos Solimões, pertencente ao povo Tikuna, no Alto Solimões (Amazonas). Sua avó era professora e poeta, o que influenciou Márcia a começar a criar seus versos logo aos 14 anos. Atualmente, Márcia Wayna Kambeba que é poeta, compositora, cantora e mestra em Geografia reside em Belém do Pará.
Vou mostrar abaixo dois poemas de Márcia Waya Kambeba para voces.
1 EDUCAÇÃO INDÍGENA
Ainda pequeno na aldeia
Na vivência com os irmãos,
Plantar macaxeira, tirar lenha,
Comer peixe com pirão,
É ensino, é educação.
Ir pra beira tomar banho,
Pegar cará e mandí,
Ver o sol se esconder
E esperar a lua se vestir,
Se vem cheia é alegria
Coisa boa vem por aí,
E com sua luz toda aldeia,
Vai cantar, dançar, se divertir.
Aprender a colher o tento na mata,
Fazer cocar de miriti,
A juntar as penas que vem das aves,
Seguindo as orientações de Waimí.
É da floresta que vem
A palha que a Uka vai cobrir,
Tecer nelas nossas memórias
Na folha de urucarí.
Na aldeia é assim a educação
Que desde séculos aprendi,
Conviver com a natureza
Sem agredir, nem exaurir,
Se hoje no século XXI
Tens a mata e a biodiversidade,
Nesse verde eu cresci
E conheci sua bondade,
Partilhar água e sombra,
Sem ver nisso tanta maldade.
Mas logo veio o “outro”,
E mostrou-me com sua maldade,
A importância da escrita
E vi nela uma necessidade,
Fui estudar na escola do branco
Para entender sua realidade.
Compreendi que a cultura é um rio
Corre manso para os braços do mar,
Assim não existem fronteiras
Para aprender, lutar e caminhar.
Hoje estamos nas Universidades,
Levamos junto nosso lugar,
A construção do conhecimento é uma teia,
Que liga a tua cidade com minha aldeia.
Sendo que minha identidade se constrói
Nas peculiaridades que em mim permeia,
Minha casa na cidade é também a minha aldeia,
Não perdemos nossa essência,
Somos o fino grão de areia!
2 – AMAZONIDAS
Somos filhas da ribanceira
Netas de velhas benzedeiras,
Deusas da mata molhada,
Temos no urucum a pele encarnada,
Lavando roupa no rio, lavadeiras,
No corpo o gingado de carimbozeiras,
Temos a força da onça pintada,
Lutamos pela aldeia amada,
Mas, viver na cidade não tira o direito de ser,
Nação, ancestralidade, sabedoria, cultura,
Somos filhas de Nhanderú, Senerú, Nhandecy
O Brasil começou bem aqui…
Não nos sentimos aculturadas,
Temos a memória acesa,
E vivemos na certeza de que nossa aldeia
Resistirá sempre ao preconceito do invasor,
Somos a voz que ecoa.
Resistência? Sim senhor!
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