Diário do ano da peste de 2021
Hoje é sábado que é aquele dia que no nosso senhor Jesus Cristinho gosta de ver todo mundo bem. Aliás, hoje, como é sábado dia 21 de agosto do mês do cachorro louco, o nosso senhor Jesus Cristinho me enviou um zap bem cedinho indignado com a expressão usada cotidianamente pelos políticos brasileiros que “Deus é brasileiro”. Nosso senhor Jesus Cristinho me disse que o pai dele não tem culpa nenhuma se 14 milhões dos brasileiros estão desempregados e se mais de 10% da população vive em situação abaixo da linha de pobreza. Jesus Cristinho está indignado em responsabilizarem seu pai pelo aumento de 50% no preço do gás de cozinha e também que não foi o pai dele que falou que orar em volta do posto de gasolina faz abaixar o preço e nem fazer corrente humana em volta de hospital e orar o dia inteiro para salvar vitimas da covid. Nosso senhor Jesus Cristinho me disse muito triste que o pai dele deu a razão para os homens para que eles decidissem sua história e não que seu pai você chamado até para troca de pneu furado e vaga na fila da vacina.
E por essas e outras que continuo aqui na minha república anarquista dos Tupinambás em Barequeçaba lançando granadas do “Só a poesia nos Salvará”.
E hoje é aniversário da minha amiga Malu ou Maluzinha como a chama carinhosamente seu companheiro Temistocles quando passeiam de mãos dadas à beira do Guaíba, do Sena ou quando se beijam na mesa de jantar do Bouillon Chartier com belo boudin noir ou almoçando um bacalhau a Gomes de Sá no Gambrinus no mercadão de Porto Alegre.
E nossa nau da língua portuguesa continua com sua ancora em Angola e visita hoje a obra do poeta António Jacinto, cujo nome completo é António Jacinto do Amaral Martins, nascido em Luanda em 1924 e falecido em 1991.
António Jacinto, por razões políticas, esteve preso entre 1960 e 1972. Militante do MPLA, foi co-fundador da União de Escritores Angolanos, membro do Movimento de Novos Intelectuais de Angola participou activamente na vida política e cultural angolana. Foi empregado de escritório e técnico de contabilidade, Ministro da Educação de Angola e Secretário de Estado da Cultura.
Vou ler de António Jacinto o poema intitulado
AH SE PUDESSE AQUI VER POESIAS QUE NÃO HÁ
Um retângulo oco na parede caiada Mãe
Três barras de ferro horizontais Mãe
Na vertical oito varões Mãe
Ao todo
vinte e quatro quadrados Mãe
No aro exterior
Dois caixilhos Mãe
somam
doze retângulos de vidro Mãe
As barras e os varões nos vidros
projetam sombras nos vidros
feitos espelhos Mãe
Lá fora é noite Mãe
O Campo
a povoação
a ilha
o arquipélago
o mundo que não se vê Mãe
Dum lado e doutro, a Morte, Mãe
A morte como a sombra que passa pela vidraça Mãe
A morte sem boca sem rosto sem gritos Mãe
E lá fora é o lá fora que se não vê Mãe
Cale-se o que não se vê Mãe
e veja-se o que se sente Mãe
que o poema está no que
e como se vê, Mãe
Ah! Se pudésseis aqui ver poesia que não há!
Mãe
aqui não há poesia
É triste, Mãe
Já não haver poesia
Mãe, não há poesia, não há
Mãe
Num cavalo de nuvens brancas
o luar incendeia carícias
e vem, por sobre meu rosto magro
deixar teus beijos Mãe, teus beijos Mãe
Ah! Se pudésseis aqui ver poesia que não há!
Bailarina Negra
A noite
(Uma trompete, uma trompete)
fica no jazz
A noite
Sempre a noite
Sempre a indissolúvel noite
Sempre a trompete
Sempre a trépida trompete
Sempre o jazz
Sempre o xinguilante jazz
Um perfume de vida
esvoaça
adjaz
Serpente cabriolante
na ave-gesto da tua negra mão
Amor,
Vênus de quantas áfricas há,
vibrante e tonto, o ritmo no longe
preênsil endoudece
Amor
ritmo negro
no teu corpo negro
e os teus olhos
negros também
nos meus
são tantãs de fogo
amor