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Depois de Amanhã

 Diário do ano da peste de 06 de setembro de 2021.

 

Texto e vídeo Marcus Ozores

E hoje é segunda dia 6 de setembro véspera do dia que muito antigamente se comemorava a data que Dom Pedro I levantou sua espada imaginária na margem do “córguinho” do Ipiranga e para uns parcos soldados que o acompanhavam e mais alguns sitiantes e talvez dois ou três comerciantes montados em burros assistiram a cena da frase que nunca foi dita Ali, isto é, às margens do “córgo” no Ipiranga “Independência ou Morte”. Pois é, e lá se vão 199 anos desde que Pedro Américo eternizou esse dia num quadrão que fica lá no hoje fechado Museu do Ipiranga. E “num” é que agora, nesses tempos de pandemia do covidão, parece que tem gente sem talento tentando imitar o Pedrão e sonham que podem atravessar o Rubicão guiando uma tropa de equus asinus.
E é por isso que vou ficando na minha república anarquista dos Tupinambás de Barequeçaba lançando minhas granadas indignadas contra o besteirol nacional do “Só a poesia nos Salvará”.

E hoje lerei um poema do lisboeta Álvaro de Campos nascido em 1890 e falecido em 1935. Álvaro de Campos é um dos heterónimos mais conhecidos, verdadeiro alter ego do poeta Fernando Pessoa. Numa longa carta endereçada a Casais Monteiro que foi professor da Unesp de Araraquara Pessoa assim descreveu a criação dos seus heterônimos: “Criei, então, uma coterie inexistente. Fixei aquilo tudo em moldes de realidade. Graduei as influências, conheci as amizades, ouvi, dentro de mim, as discussões e as divergências de critérios, e em tudo isto me parece que fui eu, criador de tudo, o menos que ali houve. Parece que tudo se passou independentemente de mim. E parece que assim ainda se passa. Se algum dia eu puder publicar a discussão estética entre Ricardo Reis e Álvaro de Campos, verá como eles são diferentes, e como eu não sou nada na matéria”.
Esse é Pessoa.

 

Agora lerei o poema de Álvaro de Campos intitulado:

ADIAMENTO

Depois de amanhã, sim, só depois de amanhã…
Levarei amanhã a pensar em depois de amanhã,
E assim será possível; mas hoje não…
Não, hoje nada; hoje não posso.
A persistência confusa da minha subjetividade objetiva,
O sono da minha vida real, intercalado,
O cansaço antecipado e infinito,
Um cansaço de mundos para apanhar um elétrico…
Esta espécie de alma…
Só depois de amanhã…
Hoje quero preparar-me,
Quero preparar-rne para pensar amanhã no dia seguinte…
Ele é que é decisivo.
Tenho já o plano traçado; mas não, hoje não traço planos…
Amanhã é o dia dos planos.
Amanhã sentar-me-ei à secretária para conquistar o rnundo;
Mas só conquistarei o mundo depois de amanhã…
Tenho vontade de chorar,
Tenho vontade de chorar muito de repente, de dentro…

Não, não queiram saber mais nada, é segredo, não digo.
Só depois de amanhã…
Quando era criança o circo de domingo divertia-rne toda a semana.
Hoje só me diverte o circo de domingo de toda a semana da minha infância…
Depois de amanhã serei outro,
A minha vida triunfar-se-á,
Todas as minhas qualidades reais de inteligente, lido e prático
Serão convocadas por um edital…
Mas por um edital de amanhã…
Hoje quero dormir, redigirei amanhã…
Por hoje, qual é o espetáculo que me repetiria a infância?
Mesmo para eu comprar os bilhetes amanhã,
Que depois de amanhã é que está bem o espetáculo…
Antes, não…
Depois de amanhã terei a pose pública que amanhã estudarei.
Depois de amanhã serei finalmente o que hoje não posso nunca ser.
Só depois de amanhã…
Tenho sono como o frio de um cão vadio.
Tenho muito sono.
Amanhã te direi as palavras, ou depois de amanhã…
Sim, talvez só depois de amanhã…

O porvir…
Sim, o porvir…

 

Marcus Vinicius Pazini Ozores, é jornalista e mestre em Sociologia, pela Unicamp. Foi assessor de imprensa dessa universidade onde continua como pesquisador . Trabalhou em grandes órgãos de mídia nacional> Aposentado, atualmente solta torpedos em versos de seu refúgio a praia de Baraqueçaba, em São Sebastião, onde reside.

Pitagoras Bom Pastor

Pitágoras Bom Pastor de Medeiros, é formado em direito e pós graduado em jornalismo digital

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