Mémorias Caiçaras de Ubatuba
Texto e foto de João Batista Antunes – Joban
Era dia do meu aniversário vinte e quatro (24) de junho de mil novecentos e sessenta e um (1961). Era uma manhã fria, por volta das seis horas e trinta minutos. Minha mãe não comemorava meu aniversário, porque ela acreditava em uma lenda religiosa antiga ,- na verdade, meu nome João Batista vinha por ter nascido nesta data – , que era a data do nascimento daquele que batizou a Jesus Cristo, o João o Batizador, e a lenda que minha mãe acreditava era que João Batista, o profeta, prometia que, no dia do seu aniversário , ele faria uma festa tão grande que abalaria a estrutura da terra. Por isso, Deus resolveu adormecê-lo no dia do seu aniversário. Assim, em todo os meus aniversários, não se fazia festa. Eu até concordava com minha mãe porque, eu era muito traquina estava sempre aprontando coisas que não devia fazer.
Nessa manhã fria de junho, eu e meu pai caminhávamos pela praia da Enseada de Ubatuba, nosso bairro, junto com outro senhor que era o seu Nino, uns dos empregados do armazém do Maciel, onde meu pai e ele trabalhavam. Meu pai e seu Nino iam para o trabalho, enquanto eu ia para escola que ficava perto do armazém. Meu pai como antigo pescador acostumado a reconhecer as características das coisas caiçaras, olhando para o mar percebeu um enorme cardume de tainha.
– Olha João, veja meu filho, um enorme cardume de tainha no mar.
Seu Nino e eu olhamos para o mar eu não vimos nada. Seu Nino, não vendo nada, perguntou ao meu pai:
– Seu Antunes onde está este cardume que eu não vejo nada? O senhor consegue ver embaixo d’água?
– Não Nino – Respondeu meu pai – Eu reconheço os sinais que estão na superfície da água. Olhe bem, veja como está escura a água com nuances prateado na superfície, que são os peixes pulando, perceberam?
Realmente, depois que meu pai falou, tanto eu como seu Nin,o percebemos o cardume de tainha. Meu pai então falou para o Nino:
– Corre Nino, vai lá no rancho do Eduardinho e pega o búzio – que era um chifre de boi cortado na ponta que servia para chamar os pescadores para a pesca – e toca para chamar os camaradas pra eles jogarem a rede para pescar essas tainhas.
Nino saiu correndo, pegou o búzio no rancho e tocou. Não demorou muito, a praia estava infestada de canoas e redes para “cercar” a tainha como costuma -se dizer, as caiçaras, porque era mesmo um cerco. Eles iam de canoa de uma ponta a outra da praia jogando a rede no mar e formando uma cerca. Depois com cabos puxavam a rede para a praia.
Pedi para meu pai deixar eu ficar vendo o cerco da tainha e não ir para a escola. Meu pai tentou me dissuadir dessa intenção, pois ele não queria que eu perdesse a aula.
Então eu argumentei com ele:
– Papai, eu não tenho festa de aniversário, nem vou ganhar presente. Por favor, deixa eu ter como presente assistir essa redada de tainha, por favor!
Meu pai me olhou no fundo dos olhos, segurou-me pelo ombro e comovido me disse:
– Oh meu filho, sinto muito. Realmente você tem razão. Hoje é seu aniversário, então eu vou concordar com você, fique vendo o pessoal “cercar” o peixe como o seu presente de aniversário, mas depois vai direto para casa está bem?
Fiquei tão contente com a decisão do meu pai, que me fugiram as palavras. Só consegui entregar para ele a minha pasta e abraçar suas pernas em agradecimento. Continuei ali na praia olhando o pessoal sair com a canoa jogando a rede na água para formar o cerco em volta do cardume de tainha. Seu Nequinho me vendo, ali parado na praia, percebeu o meu alumbramento e me convidou:
– Vem, Joãozinho – era assim que ele me chamava – vem. Eu te levo na minha canoa. – Pulei feliz com a oferta, fui com o seu Nequinho na sua canoa.
Enquanto a rede, puxada pelos camaradas na praia, empurrava as tainhas para a praia, algumas conseguiam pular pela borda da rede e seu Nequinho ia com a canoa bordejando a rede e pegando as tainhas que fugiam. Elas caiam dentro da canoa. Algumas ele aparava no ar, e a gente se divertia muito com aquele espetáculo pesqueiro. Garanto que poucas crianças caiçaras tiveram esse momento de alegria e felicidade
Terminada a puxada de rede, as tainhas eram tiradas e colocadas em montes de cem tainhas, que no final perfizeram trinta e cinco montes, num total de três mil e quinhentas tainhas. Eu voltei para casa, puxando uma fieira de tainhas presa num cipó de imbé e com uma fieira de alegria dento do meu coração de menino. Acho que foi nesse dia que me tornei poeta sem saber.