Os Diários do Ozores

Falou bonito, prefeito, mas com sentido errado

Diario de Pindorama

Texto, video e apresentação de Marcus Ozores

Diário de Pindorama, 17 de fevereiro de 2022, e vivemos o terceiro ano da Peste e continuo presente com “Só a poesia nos Salvará” tentando afastar o baixo astral que cobre a Belíndia, falando diretamente da minha República Livre Anarquista dos Tupinambás de Barequeçaba.

Como faço todas manhãs,  ligo o rádio para ouvir as noticias da Belíndia e sento com meu café fumegante na minha cadeira de praia no quintal de casa e começo a ler os jornais do dia. E hoje fui surpreendido ao ouvir uma palavra pronunciada por um prefeito que me fez deixar cair o café. Concomitantemente, sim concomitantemente essa palavra foi dita e repetida várias vezes por um prefeito entrevistado pela Bandnews.

Foto deMarcus Ozores -Num Jardim da República onde está Lavínia

Ao ouvir concomitantemente foi como ouvir musica erudita para meus ouvidos. Isso porque a primeira vez que ouvi concomitante foi em 1972, numa aula de economia, na Unicamp, quando estudávamos livro ‘’A Era do Capital’ de autoria do inglês Eric Hobsbawn. Confesso que nunca na minha vida até aquela data havia ouvido essa palavra: concomitantemente.

Quem foi Eric Hobsbawn ? 

Que palavra linda. Que sonoridade!!! E fiquei repetindo, repetindo mesmo sem saber o que concomitantemente queria dizer. Quando ouvi aquela palavra imaginei que quem soubesse o usar aquela palavra deveria ser alguém muito importante, muito mesmo. Afinal concomitantemente não é palavra fácil de se dizer, e até hoje me admiro com quem fala concomitantemente sem errar. Sempre imaginei que quem soubesse usar concomitantemente corretamente deveria ser muito importante, caso não fosse professor da universidade.

Infelizmente estava errado até hoje. O tal prefeito que usava e abusava do uso da palavra concomitantemente não passava de mais um sabujo que usava a palavra sem saber o que queria dizer.

Talvez o poema intitulado “Poema à boca fechada” de autoria do Premio Nobel de Literatura José Saramago possa nos dar uma pista sobre o uso de palavras de difícil compreensão:

POEMA À BOCA FECHADA

Jose Saramago- foto wikipédia

Não direi:
Que o silêncio me sufoca e amordaça.
Calado estou, calado ficarei,
Pois que a língua que falo é de outra raça.

Palavras consumidas se acumulam,
Se represam, cisterna de águas mortas,
Ácidas mágoas em limos transformadas,
Vaza de fundo em que há raízes tortas.

Não direi:
Que nem sequer o esforço de as dizer merecem,
Palavras que não digam quanto sei
Neste retiro em que me não conhecem.

Nem só lodos se arrastam, nem só lamas,
Nem só animais boiam, mortos, medos,
Túrgidos frutos em cachos se entrelaçam
No negro poço de onde sobem dedos.

Só direi,
Crispadamente recolhido e mudo,
Que quem se cala quando me calei
Não poderá morrer sem dizer tudo.

Marcus Ozores

Marcus Vinicius Pasini Ozores é fotógrafo, jornalista, apresentador de TV , mestre em Ciências Sociais e Pesquisador Associado na UNICAMP

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