Não apresse o rio, ele já corre depressa demais.
Por Liv Soban
Cuidar de uma bebê de menos de 1 mês não te dá muita chance no réveillon de fazer pedido, usar roupa nova, ter energia para aguentar até mais tarde, tirar foto, escrever recado carinhoso para os seus – e agradeço quem me escreveu para eu poder responder, às vezes com uma figurinha por não ter muita mão livre no momento,… nem ter seus pensamentos no lugar para fazer uma retrospectiva vivida e traçar algum plano para o que vem pela frente.
O último dia do ano vira mais um dia. As puérperas vivem muitos “Dias da Marmota”. São todos praticamente iguais, mas com pequenas variações porque o serzinho que você é incumbido de proteger vai ganhando novas atualizações e você se delicia com cada evoluçãozinha dele.
Dias da “marmota”
Esta aventura está sendo a mais diferente de toda a minha vida porque ela me tirou do que eu conhecia como eu e me colocou em uma nova estrutura, ainda disforme. O fato é que, pela primeira vez, eu não me sinto mulher, principalmente a que eu sempre fui. Me olho no espelho e tenho zero reconhecimento na imagem que lá enxergo. Tento fazer foto e todas em vão. Quem é esta pessoa segurando uma criança ali retratada? Ainda não sei. A única coisa que sei é que é uma aprendiz de mãe.
Vejo que tem muita mulher que sai da maternidade e em pouco tempo está lá pulsando o seu lado mãe e mulher. Que se reconhece, que se sente inteira… Comigo, isto absolutamente não aconteceu. Parece que o meu eu mulher deu uma pausa para eu aprender a ser mãe. E a minha casca e o meu cérebro e tudo em mim perderam a forma conhecida para se reconfigurarem agora com também esta nova função. Talvez a grande chave esteja aí. Por mais assustador que seja, tudo bem dar uma pausa para o meu eu de sempre para poder me reconfigurar.
O que eu reparo, e não só nas mães-mulheres…
O que eu reparo, e não só nas mães-mulheres, mas em todos, é que todos sofrem estas pausas durante a vida, mas ninguém consegue entender, e quer desesperadamente voltar para aquilo que reconhecemos. Que te pertence. Que te acalma. Sair do seu eixo, do seu prumo, porque tudo tá mudando, dá um medo e um desespero danado, eu sei, tô vivendo isto agora.
E então, neste medo de não nos acharmos mais, começamos uma maratona frenética, baseada na ansiedade e nada saudável. Queremos logo chegar ao fim do processo, percorrendo tudo cegamente, com olhos somente na linha de chegada. Este correr pra passar depressa talvez seja o que nos faz não nos reconfigurar direito. Não viver esta pausa, este download de uma nova função, cenário, estrutura, talvez é que nos faça permanecer irreconhecíveis por mais tempo. Ou nos perder no caminho…
o natural do deixar fluir e performar melhor, pelo amor
E atribuo esta urgência à nossa eterna cobrança – externa e, principalmente, a interna. Ser um indivíduo de alta performance acaba com qualquer performance. O forçar, o sofrer por conquistar e se manter continuamente produtivo em algo talvez nos faça perder o natural do deixar fluir e performar melhor, pelo amor.
Li uma matéria com uma celebridade que é mãe e a filha já está um pouco grande. Nela, ela diz que largou o seu lado mulher e não deveria ter feito isto, enquanto estava no inicio da maternidade. Eu discordo plenamente. O querer voltar logo ao que se era te faz sofrer demais, a não ser que aconteça naturalmente. Se você não consegue ter olhos para um lado teu, talvez não esteja na hora de olhar ainda para ele. E já reparou que quanto mais apressamos as coisas, mais elas não acontecem ou demoram para acontecer? Temos que aprender a entender que cada um tem seu tempo e precisamos respeitar o nosso. Deixar as coisas fluírem como se devem. Já dizia o ditado: não apresse o rio, ele já corre depressa demais.
O meu cobrar me faz perder o meu momento presente
Se eu, por exemplo, for dar atenção ao meu cobrar, ele me exige estar já usando 38, com a rotina estruturada, pensando em trabalho (que sempre foi a minha base) e cuidando da minha filha que completou 19 dias, com louvor. O meu cobrar me faz perder o meu momento presente. Quando percebo, agradeço a ele por ter me feito chegar até aqui, peço para se retirar e foco no que tenho hoje, no minuto a minuto que tenho para viver. A mulher pode esperar um pouco, agora é hora de dar atenção a este meu novo lado que acabou de nascer, junto com a minha filha e que precisa de um tempo para se estruturar e criar suas raízes. Sem pressa, no meu tempo, a mulher retornará, o meu eu também.
Tudo bem você não olhar para você
Tudo bem você não olhar para você enquanto mulher porque você está sendo mãe. E daqui a pouco você será as duas coisas. Ou não. Fica a seu critério escolher na sua reconfiguração o que te deixará mais feliz.
E o meu desejo em 2023 é que aprendamos a entender o nosso tempo, nossas reconfigurações, a não apressar o processo para até criarmos versões de nós mesmos muito mais estruturadas e que saibamos nos amar em toda a nossa jornada. Que este ano seja doce, lindo e que flua naturalmente.
A autora
* Liv Soban, 42, escritora, comunicóloga e, agora, aprendiz de mãe, autora do livro “O Encantador de Pessoas diponível em https://www.martinsfontespaulista.com.br/o-encantador-de-pessoas-945641/p?idsku=945641&utm_source=google&utm_medium=cpc&utm_campaign=&utm_content=&gclid=CjwKCAiA-8SdBhBGEiwAWdgtcFWsfdgjSyD5VvhMwaT2ITiFOfQi6SuX9h4SY4Cjo4Qp1osBDA28UxoCzFUQAvD_BwE